O Orçamento de que ninguém gosta vai ser aprovado por alguns

PCP, Bloco e PEV vão votar a favor. O difícil equilíbrio entre as exigências de Bruxelas, da esquerda e a execução orçamental poderão forçar o Governo a ter de trabalhar nas medidas adicionais a curto prazo.

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Mário Centeno na apresentação do OE2016 Daniel Rocha

Oitenta e oito dias depois de tomar posse, o PS chega esta segunda-feira ao Parlamento para discutir o Orçamento do Estado para 2016 com a aprovação na generalidade, cuja votação está marcada para esta terça-feira, já garantida. O Partido Ecologista Os Verdes anunciou o voto favorável no sábado, o Bloco de Esquerda e o PCP juntaram-se-lhe este domingo.

Este Orçamento, feito sobre o fino arame do equilíbrio entre os acordos políticos assinados sem público à esquerda e as exigências vincadas por Bruxelas com voz grossa aos microfones, ameaça ter rapidamente não uma errata – até já teve duas –, mas um rectificativo, se for mesmo preciso tomar as “medidas adicionais” com que António Costa se comprometeu em Bruxelas, para ter como bóia de salvação para cumprir o PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Ainda esta semana se deve ficar a conhecer o relatório da análise aprofundada da Comissão Europeia, no âmbito do Semestre Europeu, conclusões que a equipa de António Costa deve já ter em conta para a elaboração do Plano Nacional de Reformas e do Programa de Estabilidade 2016-2020 que têm de ser elaborados até ao final de Abril. Depois, tendo em conta esses dois documentos, a execução orçamental até lá e o relatório que será conhecido ainda este mês – por coincidência numa altura em que o OE2016 já está em discussão na especialidade –, a Comissão Europeia irá encerrar o ciclo do Semestre Europeu em Julho apresentando recomendações a Portugal. Foram, aliás, as exigências e dúvidas que obrigaram a quase duas semanas de negociações entre Bruxelas e o Governo e que levaram o executivo a rever a estimativa do impacto do défice orçamental de 2,6% para 2,2% do PIB este ano, e a do crescimento de 2,1 para 1,8%.

Voltando ao Parlamento e usando a aritmética para falar da votação desta terça-feira, o PS conta com o apoio declarado do Bloco, PCP e PEV, ou seja, 122 votos sim contra os 107 “não” da direita, juntando PSD e CDS. Apesar dos acordos políticos e do apoio parlamentar, Bloco, PCP e PEV foram repetindo que este “não é” o Orçamento que qualquer destes partidos faria. Apontaram “limitações” e “insuficiências”, mas também elogiaram o “esforço” socialista, argumentaram com as imposições de Bruxelas, como que desculpando o Governo pelo aumento, por exemplo, dos impostos nos combustíveis e automóveis, tabaco e álcool. Afinal, há redução no IVA da restauração, maior taxação à banca, aumento das pensões, reposição dos salários da função pública, redução da sobretaxa do IRS – BE e PCP até aproveitaram para chamar a si os louros por estas medidas.

Os partidos da dita “geringonça” esperam conseguir mais alguma coisa do Governo na especialidade, mas Costa está apenas disposto em aceder quanto à descida da taxa máxima do IMI de 0,5% para 0,4%, ao congelamento das propinas exigidos pelo PCP e ao alargamento da tarifa social de energia proposto pelo Bloco.

Catarina Martins, porta-voz do Bloco, anunciou este domingo o voto a favor, argumentando que “na generalidade” o documento se enquadra no que foram as negociações com o PS, permite a recuperação de rendimentos e alegando que o partido “não falha aos compromissos que assume”. Jerónimo de Sousa, pelo PCP, fez o mesmo.

Direita contra
À direita o chumbo está anunciado há pelo menos três meses, quando, em meados de Novembro, Pedro Passos Coelho avisou que o PS não contaria com o apoio do PSD para governar. Assim que o esboço do Orçamento se conheceu, em Janeiro, PSD e CDS apressaram-se a mostrar a sua reprovação à estratégia do Governo, que foram repetindo de cada vez que novas versões do documento foram sendo tornadas públicas.

No final de Janeiro, Pedro Passos Coelho defendeu perante a sua bancada que o PSD não deveria fazer qualquer proposta de alteração ao OE para que isso não fosse aproveitado pela esquerda para se unir. A estratégia social-democrata, idealizou o presidente do partido, passaria por explorar eventuais desentendimentos entre PS, PCP, BE e PEV em relação ao documento e passar a ideia de que com este OE as finanças públicas vão voltar a afundar-se. Esta decisão seria inédita na história dos últimos anos do partido na oposição. Mas há dias houve um pequeno recuo: o líder da bancada "laranja" admitia já que o partido só irá pensar nisso depois da votação na generalidade, precisamente para perceber quais as brechas no muro da esquerda.

Depois da discussão durante a tarde desta segunda-feira e a manhã de terça-feira, o Orçamento é votado na generalidade à tarde. Segue depois para a discussão na especialidade nas várias comissões parlamentares onde serão apresentadas as propostas de alteração dos partidos. O debate na especialidade e votação está marcado para os dias 10, 14 e 15 de Março, ao passo que a votação final global é no dia 16, seguindo depois para promulgação já pelo novo Presidente da República. Se Marcelo Rebelo de Sousa for rápido na análise, o Orçamento poderá entrar em vigor a 1 de Abril.

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