O luto de Portas

O ex-vice-primeiro-ministro tornou-se consultor da Mota-Engil. Um período de "luto" tão curto contraria o bom senso e as boas práticas

É não só natural como inevitável que as mais pujantes empresas portuguesas integrem, repetidamente, as comitivas oficiais de Portugal ao estrangeiro. Desde sempre que os chefes de Governo e os Presidentes se fazem acompanhar por delegações de empresas e universidades de modo a promover negócios, parcerias e projectos a longo prazo.

Um de muitos exemplos: nos últimos quatro anos, a Mota-Engil integrou seis missões lideradas por Paulo Portas a cinco países da América Latina. Nada de extraordinário, pelo contrário. Não faria sentido um governo convidar empresas de vão de escada. Todos ganham com estas “embaixadas de negócios”: as empresas, que aumentam as hipóteses de exportação; e os governos, que aumentam as hipóteses de melhorar a economia.

O que levanta dúvidas não é a Mota-Engil acompanhar Portas à América Latina. O que levanta dúvidas é Portas ser hoje consultor da Mota-Engil para a América Latina, apenas seis meses depois de ter deixado um cargo público com tanto poder (no sentido das decisões e da informação sigilosa que acumulou) e influência (no sentido da rede de contactos).

Este não é um debate legal, nem ideológico, mas sobre ética e transparência. As boas práticas internacionais apontam para períodos de 12 a 18 meses de cooling-off – ou luto – para os políticos que saem do público e vão para o privado e vice-versa (o chamado “revolving door”). É consensual que este vaivém entre público e privado pode gerar conflitos de interesse e aumenta o risco de corrupção.

Este "trânsito" não é necessariamente negativo. O saber, a qualidade da informação e os contactos de um ex-governante são ouro para uma empresa privada e podem trazer inovação e perspectivas diferentes para o “outro lado”, um ou outro. Mas estes intervalos forçados existem e são até cada vez mais longos – no Canadá chegam a ser de cinco anos para os ministros – porque a prática mostra que são necessários. Ou seja, quanto mais directa é a passagem pela “porta giratória” mais provável é o ex-governante conseguir influenciar o processo de decisão em benefício do novo patrão privado, prejudicando o interesse público. Não acontece sempre. Mas acontece vezes suficientes para ser bom "arrefecer" a cadeira.

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