O cavalo no meio da sala

O à-vontade com que insiste em fazer nomeações que podem ser entendidas como promiscuidade são um cavalo que Costa devia ter o bom senso de tirar do meio da sua sala.

Inúmeras vezes ouvi uma amiga contar a história do cavalo no meio da sala. Reza assim. Uma senhora dizia que nunca mais se metera na vida dos filhos desde que estes casaram. Quando ia a suas casas, mesmo que os netos se portassem mal, não dizia nada. E rematava: “Até mesmo se um dia eu vir um cavalo no meio da sala, farei de conta que não estou a ver.” Esta história tornou-se actual. Isto porque António Costa tem um cavalo no meio da sala. António Costa tem um problema que não quer ver. O problema de Costa chama-se Diogo Lacerda Machado (DLM).

Entendamo-nos. DLM é considerado pelo primeiro-ministro um negociador habilíssimo. DLM pode ser um brilhante advogado, um ás da negociação, juntar à mesma mesa parceiros inconciliáveis, pode ser o melhor gestor que há possibilidade de contratar em Portugal. E isso não é problema nenhum. O problema é que DLM é amigo pessoal de Costa. São-no há décadas, desde os bancos da faculdade. São tão amigos que Costa o classificou em entrevista à TSF/Diário de Notícias, em 2016, como o seu “melhor amigo há muitos anos” e acrescentou: “Temos uma relação muito próxima.” São tão, tão amigos que Costa o convidou para padrinho de casamento.

Só que a gestão do Estado não é um negócio de amigos, nem um casamento. Pelo contrário, a exigência ética a que está obrigada impõe uma racionalidade que em nada se mistura com a amizade. Obriga a que as pessoas sejam escolhidas pelo seu currículo, pelos seus conhecimentos, pela sua experiência, pela sua capacidade, mas nunca por nunca pelas suas amizades.

DLM pode assim ser a pessoa mais indicada para gestor não executivo da TAP, como o podia ser antes para negociar os dossiers BPI (acordo entre Isabel dos Santos e o CaixaBank), lesados do BES e reversão da privatização da TAP. Mas ao ser o “melhor amigo” do primeiro-ministro, DLM não pode ser indicado pelo Governo liderado por Costa como representante do Estado num conselho de administração, como não podia ter sido no passado encarregado de defender o interesse público em negociações.

A nomeação de um amigo não obedece às exigências éticas da gestão do Estado, obedece a outra coisa e essa outra coisa chama-se amiguismo, privilégio, favorecimento, clientelismo, promiscuidade. Ora todas estas formas de relacionamento vivem paredes meias com a corrupção. Isto não quer dizer, como é evidente, que haja qualquer indício de corrupção na escolha sucessiva de DLM, mas o estatuto de “maior amigo” coloca a sua nomeação num plano que pode ser considerada como um abrir de porta a uma relação menos lícita. E cria desconfiança.

Há em política um princípio que diz que “à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer séria”. Nada do que é conhecido até hoje quer sobre DLM quer sobre Costa indicia que não sejam pessoas sérias, mas a proximidade pessoal entre ambos permite que a sua insistência seja vista como indiciadora de uma relação promíscua onde se mistura o interesse público e o interesse privado, pessoal mesmo.

E é este o cavalo que Costa insiste em não ver no meio da sala. Como primeiro-ministro tem tido um mandato em que o sucesso parece ser a sua estrela. Tem conseguido governar agradando a Bruxelas e metendo os seus parceiros de maioria de esquerda no bolso. Devolveu às pessoas confiança, distendeu o clima social e político. Pode até vir a governar oito anos e depois candidatar-se a Presidente. Mais, Costa exerce cargos políticos institucionais há 26 anos, 19 dos quais em funções executivas e nunca sobre ele recaiu a mais pequena suspeita de não se guiar por regras de ética de Estado e de seriedade pessoal e de vida. Mas o à-vontade com que insiste em fazer nomeações que podem ser entendidas como promiscuidade são um cavalo que Costa devia ter o bom senso de tirar do meio da sua sala. É que o desgaste da imagem de pessoa impoluta, que estas sucessivas demonstrações de amiguismo provocam, pode vir a ter custos no futuro político de Costa.

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