O caso da vigilância: “Eu fiz a minha interpretação”

A Casa Civil tinha "autonomia" para gerir tudo — e diz que nada chegou a ele. Afastou Fernando Lima por "respeito humano". E sempre desvalorizou o caso. A versão de Cavaco sobre o caso da vigilância.

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O caso da vigilância: “Eu fiz a minha interpretação” São José Almeida, Sibila Lind, David Dinis

Cavaco Silva afirma que ninguém da Presidência lhe ligou, no Verão quente de 2009, a falar das perguntas do PÚBLICO sobre as desconfianças de uma vigilância a Belém. E diz que o chefe da Casa Civil tinha total autonomia para falar. Mas queixa-se do PS, alegando que se "aproveitou" do caso. 

Vou fazer-lhe uma pergunta sobre uma notícia que eu escrevi em 2009. A 17 de Agosto de 2009, telefonei a um membro da Casa Civil do PR e pedi um comentário às notícias em que o dirigente do PS José Junqueiro acusava três assessores do PR de colaborarem na preparação da campanha eleitoral da então líder do PSD, Manuela Ferreira Leite. Ele respondeu-me que ia ver se havia resposta e qual era junto de um responsável da Casa Civil. Passando tempo, ligou-me e deu-me uma declaração que o PÚBLICO noticiou a 18 de Agosto de 2009. Expliquei-lhe que, perante a declaração, tendo em conta a gravidade do que era ali indiciado, que para me sentir à-vontade para a publicar teria de identificar que era de um membro da Casa Civil. Ele concordou. A pergunta que começo por fazer-lhe é se ninguém, de facto, nomeadamente quem tinha responsabilidade pela Casa Civil, lhe telefonou a informá-lo do que se passava e a pedir-lhe uma opinião?
Eu não sabia que tinha sido a senhora. Não sabia. Mas era o mesmo se fosse outra pessoa. O que eu relato no livro são os factos rigorosos, tal como foram percepcionados por mim durante o mês de Agosto. E, perante esses factos que foram percepcionados por mim, eu fiz a minha interpretação. Depois, até numa comunicação que fiz ao país dois dias depois das eleições, disse que outras pessoas podiam fazer outra interpretação. Mas a minha interpretação desses factos, em que o primeiro talvez seja o mais importante para começar, foi vários elementos do PS fazerem um ultimato ao PR para que viesse esclarecer se elementos da sua Casa Civil estavam ou não a participar no desenho do programa eleitoral do PSD. Quando tive conhecimento disso, mereceram de mim — não podiam deixar de merecer de alguém que tem alguma experiência política — o silêncio total. Quando tomei conhecimento da notícia que acaba de referir — e que pelos vistos foi feita pela senhora — e que foi com algum atraso... eu fui ler não porque me tivessem telefonado, porque eu em férias só quem ia visitar-me uma vez por semana era o chefe da Casa Civil. O que digo é que o título não tinha nada a ver com o conteúdo. Portanto, considerei que se tratava de uma tentativa de criar um facto político. Porque aquilo que vem lá relatado, que um assessor da comunicação lhe terá dito, eu próprio podia ter dito. Eu com a minha experiência política entendo que o PR nunca deve atirar combustível, o que significa fazer qualquer resposta quando entende que surge uma notícia que é uma tentativa de criar um facto político. Por isso não respondi.

Nessa noite de dia 17 de Agosto não recebeu um relatório sobre o assunto por mail?
Não.

Considera plausível que ninguém o tenha avisado? A declaração que foi feita tinha alguma gravidade.
Tinha? Bem, eu devo dizer que considerei aquilo uma tentativa de criar um facto político. Eu sei que há políticos que de manhã quando se levantam a primeira coisa que fazem é ir ver se os jornais falam deles. Há pessoas que se levantam de manhã vão ver o que falam sobre elas, não é de facto o meu estilo. Ao ponto que até em férias os jornais se acumulam e depois é que eu vejo. E nesse Verão eu estava com muita legislação e a minha interpretação foi inequívoca (depois esse artigo foi aproveitado pelo PS): era uma tentativa de me envolver na campanha eleitoral. Eu sou muito selectivo na informação. Estou sempre muito bem informado, mas confesso-lhe que a imprensa escrita ocupa um lugar secundário na minha informação. A Lusa é a minha principal fonte de informação sobre o país. Depois tinha na altura os Serviços de Informações e Segurança, tinha tudo o que os embaixadores me diziam. Tinha um conjunto de informação que recebia das instituições europeias, do Banco Mundial, tudo isso. Portanto, eu procuro ser bem informado, mas aquilo que são os fait-divers, aquilo que penso serem — bem ou mal — tentativas de criar factos políticos, deixo bastante ao lado.

Há pouco falou da comunicação ao país que fez a 29 de Setembro, nessa comunicação por que decidiu referir a possibilidade de interferências no sistema informático da Presidência? No fundo, ao fazer isso e ao dizer que tinha chamado responsáveis pela segurança, que tinham encontrado "vulnerabilidades" no sistema, não estava a confirmar publicamente isso?
O rol de notícias que durante um mês foi publicado...

Nesta altura, um mês e dez dias.
Em Setembro, sobre escutas, foi tal que impulsionou na Presidência da República a análise do sistema de segurança informático.

Foi motivado pelas notícias?
Nunca tinha alguma vez ouvido falar na Presidência da República de que ela estava sob vigilância. Mas com todo o rol de notícias que apareceram diariamente durante mais de um mês, na Presidência da República achou-se: bem isto é tempo de fazer uma análise sobre a segurança informática. Eu próprio resolvi receber o director da Polícia Judiciária, o director do Serviço de Informações e Segurança e o director da Autoridade Nacional de Segurança. E a conclusão que tirei é que a generalidade dos serviços públicos em Portugal são muito vulneráveis a ataques que venham do exterior e a Presidência da República não era excepção. A partir daí o chefe da Casa Civil passou a tentar reforçar a área informática para tentar eventualmente evitar possíveis ataques, mas foi só por isso.

Eu não estava no PÚBLICO, estava a ver à distância, mas quando ouço dizer que achava que aquela notícia, o que lá estava descrito, era a tentativa da criação de um facto político, não posso deixar de pensar que essa tentativa de criação de um facto político tinha que vir de um membro da Casa Civil, porque a declaração que lá estava exposta era de um membro da Casa Civil. No livro que escreveu, o seu assessor Fernando Lima assumiu que foi ele o intermediário dessa declaração. E diz até mais, diz que a fez com autorização superior. Afastou-o da assessoria de imprensa, mas manteve-o em Belém. Porquê?
Está lá escrito. Entendi que a pessoa estava a ser injustamente, excessivamente exposta e que não havia condições para se manter no mesmo sítio, na mesma área, entendi que face à exposição até de alguma agressividade em relação à pessoa não tinha condições para continuar na assessoria da comunicação social. Foi até por respeito humano em relação à pessoa.

Ele no livro que escreveu diz que se sentiu absolutamente afastado.
Bem, eu não sei o que escreveu ou deixou de escrever. Eu, como disse, cada pessoa faz o julgamento que quiser da prestação de contas que eu presto no meu livro. Cada um faz aquilo que quiser. Eu não faço comentários se outros comentaram os mesmos assuntos que eu comento aí, não merece para mim nenhum comentário especial, foi só por isso, mais nada.

Portanto, para si nunca houve suspeitas de vigilâncias, nunca ninguém em Belém teve suspeitas de vigilâncias, nunca ninguém lhe falou de suspeitas de vigilâncias?
Não. Nunca, nunca, nunca. Sabe, eu na Presidência da República só despachava com duas pessoas, o chefe da Casa Civil e o chefe da Casa Militar. No meu tempo de PR ninguém tinha a mínima dúvida de quem é que mandava na Casa Civil, era o chefe da Casa Civil.

Ele tinha responsabilidade para gerir uma questão destas?
Ninguém tinha dúvidas de quem mandava na Casa Militar. Aliás, eu sou claro no livro. Eu sabia de problemas que tinham ocorrido no passado em relação às casas civis e militares. Desde a primeira hora, eu só despacho com o chefe da Casa Civil e ele é que é responsável pela coordenação de todas as equipas.

Portanto, ele tinha autonomia para gerir uma questão destas, de um pedido de uma declaração?
Todas. Por isso até digo que são as únicas duas pessoas que podem falar na Casa Civil, mais nada. Os outros fazem os contactos que entendem. As pessoas inventam coisas diabólicas.

Insisto, se alguém inventou uma coisa diabólica parece-me que pode ter sido dentro da Casa Civil do PR.
Não. Se fala em fuga de informação.

Não é fuga de informação. Eu telefonei para um assessor de imprensa a pedir uma declaração, ele disse-me: vou falar com um responsável da Casa Civil. Depois liga-me a dar a declaração autorizada para publicação, identificando que era de um membro da Casa Civil, portanto não foi ninguém do PS.
E eu volto a dizer, se é a frase que está no artigo, eu próprio dizia. É como eu chamo "despachar jornalista". 

Não foi bem para despachar que eu ainda estive bem duas horas à espera que eles me dessem a frase.
Aqui está, é um assunto que não influenciou em nada a minha acção como PR. Há assuntos muito mais importantes que influenciaram a minha acção, este influenciou zero.

Mesmo na relação com o Governo.
Na relação com o Governo com certeza. Mas as conversas foram sempre em geral conversas de trabalho e cordeais, mas quando foram um pouco mais tensas, eu [no livro] só identifiquei duas e estão descritas em pormenor.

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