“O Bloco não pode alimentar falsas esperanças”

Apesar de até à Convenção do Bloco de Esquerda, em Junho, estar tudo em aberto, deverá ser Catarina Príncipe, bloquista há 15 anos, a encabeçar uma lista alternativa. Poderá haver mais, entre as quatro moções já apresentadas

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Catarina Príncipe é militante do Bloco de Esquerda há 15 anos Nuno Ferreira Santos
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Catarina Príncipe é militante do Bloco de Esquerda há 15 anos Nuno Ferreira Santos

Desempregada, tem 30 anos. Estudou Teatro, Artes e Culturas Comparadas, Estudos de Género. Em Berlim, onde esteve quatro anos, serviu em restaurantes. Se tudo correr bem, ainda quer estudar Sociologia do Género. Escreve e edita na Jacobin, vai lançar um livro, com o fundador desta revista, sobre esquerda europeia nos últimos 20 anos. Em entrevista ao PÚBLICO, Catarina Príncipe dá a voz pela moção R, que se apresenta como alternativa pela segunda vez.

O que a move a encabeçar uma lista alternativa à da porta-voz?
Não sei se vou encabeçar. O que posso dizer é que estou a ser porta-voz desta moção.

A probabilidade de encabeçar é bastante real?
Sim. Mas pode acontecer que a moção decida por outra pessoa. Não é uma questão essencial. Ao contrário de uma proposta que existe, opomo-nos à criação da figura de coordenadora ou coordenador.

Figura prevista na moção subscrita por Catarina Martins?
Exacto.

Num dos pontos da moção, lê-se que a União Europeia (UE) é o “aprofundamento das desigualdades”. O que defendem?
A UE tem significado, sobretudo para os países da periferia, um aprofundamento das desigualdades. Quando Portugal entra, há uma massa de fundos para ajudar ao desenvolvimento da economia portuguesa. Não vem sem um senão. Tem a ver com uma destruição que vai sendo espaçada, contínua, do nosso sector produtivo e de alguma capacidade de soberania económica. A UE sempre foi um projecto com base na distinção entre centro e periferia. O euro foi um aprofundar dessa desigualdade. Precisamos de ter coragem de confrontar as instituições europeias, não são democráticas. Não é fácil, mas é a única hipótese de recuperar rendimentos, relançar a economia.

É o que defende Catarina Martins, a actual porta-voz do Bloco.
Há um entendimento, mais ou menos generalizado no Bloco, de que é necessário enfrentar instituições europeias.

Defendem a saída da NATO; nacionalizar energia, água, saúde, educação, transportes, correios, telecomunicações, recolha e tratamento de resíduos; aumentar o salário mínimo para 700 euros. Que outras bandeiras têm?
Essas são essenciais. As outras têm a ver com direitos, muitos já consagrados, mas que precisamos de reforçar. Acabar com a discriminação na lei não acaba com as discriminações por si. Precisamos de campanhas que falem da homofobia, da transfobia. As mulheres recebem menos do que os homens. Para haver protecção das minorias, dos grupos sociais em risco, precisamos de um Estado Social mais forte, capitalizar o SNS público, gratuito e universal, assim como a Educação. Acabar com as propinas...

Com constrangimentos orçamentais e exigências de Bruxelas, onde ir buscar dinheiro?
É uma questão importante, mas falsa. Portugal está a pagar tranches gigantescas ao FMI, imenso de juros, recapitaliza bancos privados fraudulentos… O dinheiro existe, o problema é para onde é direccionado. Onde se aplica o dinheiro é uma escolha política.

No documento, lê-se que “a política do PS é insuficiente para responder à grave situação do país”. E que “a esquerda não pode cair no erro de deixar o acordo parlamentar alimentar falsas esperanças”. A geringonça tem alimentado falsas esperanças?
Sim. Nós, o grupo que antecede esta moção R votámos contra este acordo. Não porque queremos a direita de volta ao poder. Mas porque o acordo não é suficiente. O Bloco não pode alimentar falsas esperanças.

Foi um acordo inédito. Sem ele, a direita voltava a governar… Qual seria a alternativa?
Não sei se é tão linear. Este acordo é insuficiente, não recupera rendimentos, é apenas uma tímida recuperação, não inverte a relação de forças e não está disposto a questionar os problemas base que têm sido os da economia portuguesa, nomeadamente a nossa relação com as instituições europeias. O BE devia ter tentado ir mais além, ter uma posição mais intransigente sobre o programa político que levou às eleições. Um programa que dizia que é preciso confrontar as instituições europeias, renegociar a dívida, que será eventualmente necessário, se for a única hipótese de acabar com a austeridade, sair do euro. O BE deveria ter ido mais longe naquilo que eram as suas propostas e naquilo que propunha e impunha ao PS.

Não lhe parece bem que o BE faça acordo com o PS?
O BE pode fazer um acordo com o PS, se isso significar que não perde identidade política e não reduz a perspectiva apenas à política do imediato… O BE tem sofrido um processo de institucionalização e parlamentarização. Deixa de marcar agenda onde é necessária. Temos tido muito pouca capacidade de criar agenda política sobre questões que sabemos serem essenciais. A questão, por exemplo, da renegociação da dívida…

Há um grupo de trabalho…
Fechado, sigiloso, encerrado em si próprio. Não cria força de campanha, mobilização sobre o tema. Não tenho problemas que se criem grupos técnicos, é bom, é importante haver grupos técnicos, mas isso, por si, por não chega. Achamos que o Bloco se tem perdido na política do mediatismo e do imediatismo, apenas da resposta imediata às questões, e tem esquecido aquilo que é o seu código genético, das campanhas sobre as questões essenciais, do trabalho, dos direitos laborais, do controlo público da banca, da nacionalização dos sectores estratégicos. Precisamos de deixar de ser este partido que faz só esta política do imediato, que responde, que está só no Parlamento, nos jornais e na televisão. Voltar a pensar o partido de baixo para cima. Pela base. Por algum motivo a nossa moção se chama Crescer pela Raiz, a radicalidade de reinventar a política.

Críticas à parte, que pontos a afastam da moção subscrita por Catarina Martins? Há coisas em comum…
Será mais o que nos junta. Mas temos uma perspectiva da política um pouco diferente. É preciso pensar a política pela base. O BE tem de ser um instrumento de mobilização, chegar a comunidades mais discriminadas, apoiar quem protagoniza iniciativas, mesmo que seja a nível local, temático, sobre precariedade, feminismo. Não pode ficar fechado dentro de si, a fazer política para sua afirmação. Temos uma perspectiva um pouco diferente sobre autárquicas. Pensar eleições locais como nacionais é um erro, que o Bloco tem feito. O BE tem muitos problemas, tem uma fraquíssima implementação social. Os momentos de crescimento eleitoral acontecem e voltam atrás. A prioridade deve ser lançar listas abrangentes, juntar associações, pessoas que têm feito algo no bairro, construir candidaturas que repensem a política local. 

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