O ano de provar a fidelidade europeia

Alguma vez será preciso colocar publicamente as perguntas certas sobre a moeda única e sobre o que será a Europa depois da crise.

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1.O facto porventura mais notável da relação de Portugal com a União Europeia é que nem a crise profunda que o país atravessa, nem a presença incómoda da troika durante quatro anos, nem as ameaças de Bruxelas feitas a toda a hora, conseguiram criar uma nova corrente antieuropeia ou sequer eurocéptica na paisagem politica nacional. A rejeição da Europa cinge-se ao PCP, mas sem gritaria. O Bloco prefere navegar em águas turvas. A explicação talvez esteja na solidez da opção europeia dos dois maiores partidos, que se manteve quase intacta ao longo dos anos. Não deixa de ser caso raro, quando por toda a parte emergem movimentos de rejeição da Europa, que aliás não param de crescer. Se há, como devia haver, uma reflexão das elites políticas sobre o futuro do euro, ela mantém-se em surdina. A própria linha de fractura entre PS e PSD, que se abriu com a intervenção da troika em 2011, ainda não contaminou a opção estratégica do país pela Europa e pelo próprio euro.

2.Há, no entanto, uma diferença significativa, pelo menos do ponto de vista programático, entre António Costa e Pedro Passos Coelho. O anterior governo decidiu que a única “questão europeia” que verdadeiramente interessava era o cumprimento do programa de austeridade negociado com Bruxelas. Incluindo a “punição” e assumindo as todas as culpas. Era fácil porque a coligação aceitava ideologicamente esse programa. Muitas vozes, incluindo do PSD, criticaram esta visão estreita do nosso lugar na Europa e esta vénia constante perante Berlim e o seu modelo de governação do euro.

É aí que António Costa estabelece uma ruptura crítica em relação à orientação de Berlim e à sua tradução em Bruxelas. Não é possível uma redução sustentada do défice e da dívida sem crescimento económico. Não é possível crescimento económico se Bruxelas aplicar cegamente o PEC. A segunda crítica, que decorre da primeira, é que o modelo imposto à economia portuguesa para ganhar competitividade baixando os salários não resolve o problema que seria suposto resolver. Mas António Costa também sabe que é uma batalha que Portugal não pode enfrentar sozinho. Por isso, escolheu um primeiro momento em que quer provar a sua fidelidade ao euro aceitando sem contestação as regras do jogo de Bruxelas e fazendo da meta do défice o testemunho desse compromisso político. Não é por acaso que o seu Governo vai ser o primeiro a conseguir colocar o défice abaixo dos fatídicos 3 por cento. A mensagem é: eu cumpro, mesmo sabendo que isso não nos leve a lado nenhum se o crescimento continuar a ser mitigado e se a Europa não conseguir, ela própria, sair da estagnação económica em que mergulhou.

3. O problema maior de Costa é que a Europa atravessa hoje uma “terra de ninguém” entre um passado que serviu bem Portugal e um futuro que ainda ninguém sabe exactamente qual é. A hegemonia alemã é um dado novo. O enfraquecimento constante da Comissão não serve os países mais pequenos e mais frágeis, contrariando a lógica dos pais fundadores. O pior cenário para Portugal seria aquele para o qual António Vitorino alertou: a União Europeia não sobreviverá a uma Europa de ganhadores e outra de perdedores. António Costa subscreveria facilmente esta afirmação. Daí, a sua nova estratégia de alianças, sem afastar uma boa relação com Berlim. Sabe que tem de ter cuidado em cada passo que dá.

Este é o ano de provar a fidelidade do Governo ao euro e à Europa. Alguma vez será preciso colocar publicamente as perguntas certas sobre a moeda única e sobre o que será a Europa depois da crise.

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