Nóvoa viu o país “dividido” que costuma criticar nos discursos

Nos estaleiros da Lisnave, em Setúbal, o candidato conheceu um exemplo de como o trabalho pode discriminar entre novos e velhos.

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Sampaio da Nóvoa visitou a Lisnave Nuno Ferreira Santos
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O edifício da Comissão de Trabalhadores da Lisnave fica logo à entrada do estaleiro, passando a cancela. Ao lado há um gigantesco parque de estacionamento para bicicletas. Cheio. A maioria está ferrugenta, do salitre que vem do estuário do Sado. Na sala de reuniões, um busto de Lenine espreita numa pequena prateleira.

António Sampaio da Nóvoa senta-se à frente de António Pardal. O candidato de fato e gravata. O sindicalista de fato-macaco cinzento. “Eu tenho 61 anos e 46 de empresa. Devo ser o terceiro ou o quarto mais velho.”

Ao lado senta-se Ricardo Malveiro, 43 anos, “24 de Lisnave”. “Eu faço a ligação. Sou dos mais novos, dos mais velhos.“

A idade é um problema nos míticos estaleiros, onde se desenrolaram algumas das mais importantes lutas laborais antes e após o 25 de Abril – e de onde saíram trabalhadores tão conhecidos como Celeste Cardona, do CDS, ou António saraiva, o presidente da CIP.

“Há trabalhadores que têm determinadas condições, outros que vêm com outras, e outros que têm muito poucas. Se for eleito, contamos consigo para isto”, explicou Ricardo Malveiro.

Quando foi reestruturada, na segunda metade dos anos 90, a empresa “fechou” o quadro de pessoal e criou uma nova entidade empregadora para os funcionários mais novos, a Lisnave Yards. António Pardal é da primeira, e reconhece o problema: “A Lisnave Yards tem 170 trabalhadores, malta jovem, mas não têm as mesmas regalias que nós temos. Nós não temos o banco de horas, podemos ir ao Hospital da CUF e eles não.”

A Lisnave conta agora com 266 trabalhadores, mas muitos estão a reformar-se. E outros para lá caminham: “Temos 30 trabalhadores com 62 anos, 34 trabalhadores com 61 anos, 26 trabalhadores com 60, 26 com 59, 8 com 50, 1, com 51, só um com 41.”

Os da Lisnave têm alguns direitos, os da Yards já têm menos. E a grande maioria dos 1800 trabalhadores que enchem as instalações nos picos de trabalho? Esse têm quase nada. São contratados, tarefeiros, que ganham por trabalho igual menos de metade do que ganharia num estaleiro do Norte da Europa, ou mesmo em Espanha. Aqui ganham “6,98 euros à hora”, lá fora podem receber “14, 15 ou 16”.

O trabalho é pesado, desgastante, e mal pago: 1004 euros no topo da carreira. Antes de visitar a Comissão de Trabalhadores, Nóvoa esteve à conversa com pequenos grupos de jovens que saíam do refeitório para o turno da tarde. Alguns apertavam as correias dos arneses que os iam prender a muitos metros de altura para trabalhar na reparação de navios gigantes como o Euronike, o Archangel. O Stena Spirit, que está numa das docas secas, está quase pronto para sair, quando se abrirem as eclusas e a água entrar e elevar o casco o suficiente para sair para o mar.

No ano passado, a Lisnave reparou 110 navios. Isso deixa estes homens cheios de orgulho, o que em nada contradiz o espírito reivindicativo: “Todos nós gostamos de trabalhar na Lisnave  e reconhecemos que a Lisnave está a trabalhar bem”, afirma Pardal. “Há que tirar o chapéu e ter orgulho”, acrescenta Mineiro.

Porém, o sindicalismo já teve mais poder nos estaleiros. “Para estarmos aqui hoje tivemos de dizer ao chefe 'pá, vamos lá abaixo'”. Ou seja, os representantes não estão a tempo inteiro na comissão de trabalhadores.

E a queixa fundamental não é típica de uma organização sindical. Ricardo Mineiro resume-a: “Esta dicotomia dos direitos adquiridos, e a Lisnave foi um dos esteios da luta dos trabalhadores antes e depois do 25/4, e a necessidade de rejuvenescer a empresa.”

Nóvoa tem falado, em muitos dos seus discursos, de um país “dividido entre velhos e novos, com direitos e sem direitos” e essa caracterização encaixa como uma luva neste caso.

Como candidato, e como Presidente, tem-no dito, pode amplificar a situação, mostrando-a ao país. É também por isso que Pardal e Mineiro lhe agradecem, no final. E mesmo que a iconografia da sala revele outras preferências nestas eleições, não deixam de desejar “boa sorte” ao candidato. Para logo acrescentarem o desejo de que ganhe “nem que seja à  segunda [volta]”

O candidato retoma esta quarta-feira o seu programa, após uma pausa nas acções até ao funeral de Almeida Santos. Viaja para Guimarães e Santa Maria da Feira, onde terminará o dia com um comício.

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