Novo Discurso de Ano Novo

O prof. Marcelo ficou “descoroçoado” com a “pobreza” do discurso de Ano Novo do prof. Cavaco Silva. ?Já os portugueses não ficaram nada porque nem sequer o ouviram. Mas, tal como as vacinas, os discursos presidenciais podem precisar de um reforço. A mensagem de dia 1 não chegou, escutemos a de dia 11. Empolgante

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Nova Mensagem do Ano Novo do Presidente da República

Palácio de Belém, 11 de Janeiro de 2015:

Portugueses. Redesejo a todos um Feliz Ano de 2015. Não estou enganado, é mesmo 2015. Vivo há tantas décadas fora da política que é difícil fazer contas ao tempo. No entanto, em 2015 é consensual que passou mais um ano desde 2014.

Em 2014, celebrámos os 40 anos do 25 de Abril, a revolução que nos trouxe a liberdade e a democracia. Nesse longínquo ano de 1974 também abriram uns cinemas marotos nos Restauradores, mas eu nunca lá fui.

Estava empenhado em despertar para a política e pela liberdade. E calhou mesmo ser no dia 25 de Abril, foi uma coincidência feliz. Mas nunca fiz disso profissão. Só neste sentido nobre: ser um verdadeiro profissional a negar ser profissional da política. Seria preciso os portugueses nascerem duas vezes para pensarem que o seu Presidente fez carreira nos partidos. A prova é que recebe uma reformazita de professor que mal dá para as despesas.

Por isso, os meus votos dirigem-se a todos os portugueses, quer aos que residem no nosso país, quer aos que se fixaram no estrangeiro, quer ainda aos que não conseguem fixar-se no nosso país nem no estrangeiro e andam por aí sem emprego, sem casa e a comer porcarias. Também sei o que são as dificuldades, repito. Mas é errado pensar que os problemas que o país enfrenta podem ser resolvidos num clima de facilidades.

Saúdo também os cidadãos de outros países que escolheram Portugal como lugar de residência, ou de trabalho, ou de compra de títulos da dívida. Tratando-se de alemães e de outros notáveis povos do Norte da Europa, lembrem-se que estamos a fazer tudo para pagar os juros sem discutir. O interesse nacional é estrangeiro e vice-versa.

Portugueses: uma democracia consolidada exige o pluralismo e a diversidade de opiniões. É o que acontece na diversidade de opiniões que tanto o Presidente como o Governo PSD-CDS partilham entre si com toda a pluralidade (até mais do que o PSD com o CDS). Actualmente, é consensual dentro da minha opinião que só através de uma estratégia orientada para a competitividade das exportações, para a atracção de investimento e para a criação de emprego será possível vencermos os desafios do futuro. Quanto a vencermos os desafios do passado, é consensual que isso é mais difícil.

Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer. Nas minhas contas, é capaz de ser mais do que um quilómetro. Se percorrermos dez quilómetros, já nem nos lembramos do início das frases que tenho em copypaste na App Discursoscavaco. No entanto, se fosse um caminho para não percorrer, era mais fácil. Ficávamos a sorrir para os comboios, como as vacas. O caminho deve ser feito em conjunto, com abertura e diálogo entre as diversas forças partidárias que estejam inteiramente de acordo com isto.

O ano de 2015 será um ano de escolhas decisivas para o futuro do país. Mais uma vez, repito de novo e relembro: as escolhas decisivas para o passado do país serão mais raras. A melhor de todas essas decisões decisivas foi terem-me dado o segundo mandato. Em 2015, os portugueses irão ser chamados a pronunciar-se através do exercício do direito de voto. Ao exercício do direito de voto chamamos eleições. As pessoas saem de casa a um domingo e vão para uma bicha numa escola ou junta de freguesia e dão-lhes um papelinho e elas fazem uma cruzinha. Quando chove, vão menos pessoas, mas faço desde já um apelo. É essencial participar activamente nas eleições e escolher a cruzinha certa, que tem ao lado umas setinhas cor de laranja a apontar para cima. Por exemplo, aquele símbolo com uma espécie de foice e martelo é de gente má que quer nacionalizar tudo, por exemplo, uma vivenda no Algarve trocada com tanto esforço por outra que era mais pequena. E o outro partido com uma mão fechada e ameaçadora faz parte de um grupo de gastadores que querem deitar os nossos esforços a perder, e largarem nas ruas de Évora o homem que fez a Justiça funcionar. Só assim podemos esperar — e até exigir — que os agentes políticos actuem com responsabilidade, elevação e sentido cívico, colocando o interesse nacional acima dos meus interesses partidários. Isto é, só se pode votar nos socialistas se jurarem que no poder fazem tudo igual.

Portugal não pode regredir para uma situação semelhante àquela a que chegou em princípios de 2011, em que foi obrigado a recorrer a auxílio externo de emergência. E muito menos aos anos em que fui primeiro-ministro: já não há frotas pesqueiras para abater nem agricultura para trocar pelo bonito betão das auto-estradas. No ano que terminou foram ainda muitos os portugueses que viveram momentos particularmente difíceis, mas surgiram sinais de esperança e não estou aqui para vos dar seca, já basta o que é.

Bom, chegou a altura de falar de Cultura. Como sabem, Pedro Santana Lopes foi meu secretário de Estado da Cultura. Entre as actividades culturais, está a numismática. Santana era má moeda na altura e agora quer ser Presidente da República. Quem não te conhece que te compre.

Voltando ao essencial, não nos podemos deixar abater pelo desânimo nem cultivar o pessimismo. Devemos olhar o futuro com confiança renovada. A economia está a crescer, a competitividade melhorou, o investimento iniciou uma trajectória de recuperação e o desemprego diminuiu. Entretanto, soubemos que o desemprego voltou a subir imenso, mas esta parte já estava escrita e é desperdício estragar papel.

Portugueses, uma última palavra para a defesa da liberdade de expressão, atacada em Paris de uma forma que merece a nossa repulsa veemente. O humor é fundamental em democracia e, embora eu não leia jornais, imagino que um jornal como o Charlie Hebdo me pudesse retratar de forma iconoclasta e atrevida. Por exemplo, um boneco em que Cavaco ia depor na comissão de inquérito ao BES, dizendo aos deputados — “não me lembro de nada, eu não sabia!” — como os outros, mostrando no bolso a carta de Ricardo Salgado a pedir-lhe ajuda, meses antes. É uma ideia. Se no passado os valentes cartoonistas mortos em França puseram François Hollande com o seu “coiso” de fora, o Presidente português também podia ser desenhado de calças na mão e com as letras BPN tatuadas na nádega direita. Mas esse esforço de pedagogia democrática só pode ser feito através da força do exemplo.

A todos os portugueses que desiludi com o meu primeiro discurso no primeiro dia ano, renovo os votos de um Bom Ano de 2015, feito de paz, esperança e dívidas novas.     

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