Nizar gostava de ter “um Presidente assim” na Síria

Num gesto simbólico contra “os muros e os obstáculos”, Marcelo almoçou com refugiados e gente do bairro na Cozinha Popular da Mouraria. Uma refeição do Médio Oriente durante a qual a "Xica" se tornou primeira-dama por um par de horas.

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado por refugiados durante o “Almoço Médio Oriente” na Mouraria LUSA/MÁRIO CRUZ

Make food, not war”, lia-se no quadro negro na parede da Cozinha Popular da Mouraria. Nem guerra nem muros, sugeria Marcelo Rebelo de Sousa à entrada para o almoço com refugiados da Síria, Iraque e Eritreia e gente do bairro típico de Lisboa. Se "há quem crie obstáculos, muros e limites à entrada e saída de pessoas", a posição portuguesa "é abrir os braços" aos refugiados, dizia o Presidente da República.

Se não era um gesto antiTrump, também não era a favor. "É um pequeno sinal daquilo que nós pensamos [e que] às vezes vale mais do que grandes proclamações contra essas políticas". E a posição portuguesa é simples: "Abrir os braços, como sempre abrimos, e naturalmente aceitar, como sempre fomos aceites por todo o mundo".

Nizar Almadani, um sírio de 59 anos, confessa ao PÚBLICO que gostava de ter um Presidente assim – e pelos seus olhos passa uma sombra escura. Marcelo entrara pela cozinha adentro, provara do bolo de boas-vindas, “que não chega a ser um folar porque é menos doce”, mostrara-se curioso com o motabal humus (de beringela), o fatat humus (de grão), quis ver o kebab sírio (feito no forno e servido com pão pita) acabado de sair do forno. Acabaria por provar de tudo e tudo elogiar, principalmente as pessoas.

De Nizar ficou a saber que a mulher e os dois filhos estão no Líbano, e que ele, há oito meses em Lisboa, gostaria de os voltar a ter perto. Em Portugal, para já, mas sonha um dia “ver a Síria ficar em paz e voltar para casa”. De Adriana Freire, a mentora da Cozinha Popular – uma associação sem fins lucrativos que é como “uma casa onde todos comem, todos cozinham em família” -, Marcelo ficou a saber como vieram estes “jovens orientais” fazer desaguar a sua gastronomia neste antigo armazém da Rua das Olarias.

“Foi o Paulinho, que trabalha connosco, que, em conversas com a Associação Crescer, sugeriu que este grupo de refugiados viesse aqui para a cozinha fazer uma experiências, porque eles só cozinhavam para a família. Primeiro para nós, depois abrimos ao público porque eles já estão preparados para cozinhar em qualquer parte”, explicou a antiga repórter fotográfica.

É isto o projecto Make Food not War, de promoção e conhecimento das cozinhas do mundo, onde os refugiados adquirem competências confeccionando pratos dos seus países de origem que podem depois ser utilizadas em candidaturas a empregos. Foi assim que Nizar já arranjou trabalho, há menos de uma semana. Mas isto é só uma parte da história deste almoço.

Primeira-dama por um dia

Francisca Pastorinho tem um sorriso aberto num rosto marcado pelos seus 81 anos. Viveu 30 anos na Mouraria até que o senhorio lhe deu seis meses para deixar a casa. Agora vive na Pasteleira, mas hoje almoçou ao lado do Presidente da República no seu bairro de sempre. E teve direito a um presente inesperado.

“Se tivesse de escolher uma primeira-dama, escolhia a D. Francisca”, disse o Presidente já no fim do repasto, entre selfies, palmas e beijinhos com as duas dezenas de convivas. “Hoje vais para casa e pões-te dentro de uma redoma”, diz-lhe uma das antigas vizinhas. Que aproveitam para desabafar com o PÚBLICO as dores do bairro. “Estão a pôr as pessoas todas na rua! Qualquer dia não temos nada aqui, nem marchas, nem festas, nada, só estrangeiros! Não há ninguém que meta um travão a isto?”, protesta Luísa Reis, que já teme pela sua casa. Nelson Ferreira aproveita a deixa: “Sabes quem meteu esta nova lei [do arrendamento] que permite isto? Foi o anterior Governo”, acusa.

Cristina Machado, uma das colaboradoras do projecto da Cozinha Popular, concordava, mas ainda estava eufórica com a vinda presidencial. Ao acompanhar Marcelo ao carro, ele atirara uma última deixa: “Depois combinamos a noite de fados”. Ela beijou-o uma última vez. E ao ver partir o Mercedes, vira-se para o lado e diz. “Pronto, já fez o meu dia. Agora vou para casa temperar a solha”.

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