Nem presidente da República, nem recluso...

Ir ou não a julgamento, eis a questão

Paulo de Morais ficou seguramente desiludido com os resultados da sua candidatura presidencial. Uns meros 2,16% dos votos e um 7.º lugar na lista dos concorrentes a seguir a Tino de Rans não são motivo para regozijo. É certo que o facto de não ter tido bons resultados na candidatura a presidente da República não quer dizer que a sua luta contra a corrupção não seja popular. Poderão os eleitores, mesmo concordando com essa luta, ter optado por votar em figuras mais presidenciáveis.

Mas se neste aspecto Paulo de Morais não tem motivos para festejar, já no campo da Justiça deve estar contente: no passado dia 22 de Janeiro, em plena campanha eleitoral, o tribunal de instrução criminal do Porto decidiu não o levar a julgamento numa queixa-crime apresentada por um ex-autarca.

Num programa da “CMTV, em 2014, Paulo Morais ao falar da nossa fascinante vida política afirmou o seguinte: "É muito estranho quando vemos pessoas como Luís Filipe Menezes a ganhar 4 ou cinco mil euros por mês, não faço ideia quanto ganha o presidente da câmara de Gaia, e a apresentar propriedades de meio milhão ou milhão de euros. Além disso, em Portugal, a juntar à corrupção depois ainda há parolice, que é a vontade de ostentar. Portanto, já não basta serem corruptos ainda são parolos". E mais à frente, ainda disse o seguinte: “Quem anda na vida pública, seja lá quem for e qual o cargo que tenha tem de dar contas da sua vida patrimonial, só não tem que dar contas da sua vida íntima, isso não tem nada a ver. Agora da sua vida patrimonial tem de dar contas. E por isso o caso de Menezes, o caso de Mesquita Machado etc... que acumularam fortunas colossais é inconcebível a menos que eles viessem explicar cabalmente onde é que eles foram buscar o dinheiro. É que o problema não é de inversão do ónus da prova no plano jurídico, é uma questão de probidade”.

O ex-autarca, naturalmente, não gostou e queixou-se criminalmente já que, no seu entender, o outro ex-autarca o havia difamado e no final do inquérito em que foram ouvidas testemunhas e juntos diversos documentos, Luis Filipe Menezes apresentou uma acusação contra Paulo de Morais pelo crime de difamação agravado com publicidade e calúnia. Foi, então, a vez de Paulo de Morais requerer a instrução, isto é, solicitou que um juiz apreciasse a acusação e a prova existente no processo e decidisse se devia ir a julgamento ou não já que entendia não ter praticado qualquer crime.

O juiz de instrução só deve enviar para julgamento os casos em que haja indícios suficientes que são aqueles que, constando do processo, convencem o juiz da culpa do arguido e o fazem prever, com uma razoável probabilidade, que, se for julgado, irá ser condenado. Costuma dizer-se que o juiz deve fazer seguir para julgamento o processo quando cria a convicção que é mais provável uma futura condenação do que a absolvição e deve arquivar o processo, quando sucede o contrário.

Para o tribunal, as afirmações de Paulo de Morais para poderem ser apreciadas em termos legais, tinham de ser enquadradas na realidade. Ora, segundo o tribunal, estava-se perante a manifestação de uma opinião de uma pessoa pública e política sobre outra pessoa igualmente pública e política, isto é, pessoas que saindo do anonimato e aceitando cargos ou lugares públicos se tornam relevantes socialmente em termos de a liberdade de expressão e o direito à informação sobre as mesmas se ampliarem.

Por outro lado, o facto de o ex-autarca Luis Filipe Meneses se ter feito fotografar numa valiosa quinta em Baião para uma revista cor-de-rosa, justificava plenamente a “estranheza” de Paulo de Morais e quanto à expressão “parolice”, o tribunal desde logo considerou que tal expressão não tinha relevância, gravidade ou peso que justificassem a sua criminalização. Isto é, ninguém gostará de ser chamado “parolo”, será desagradável, indelicado ou mesmo grosseiro mas daí a ser crime vai uma enorme distância. Acresce que, como Paulo de Morais tinha afirmado no seu requerimento para a instrução, Luis Filipe Menezes estava “bem habituado e quantas vezes fora protagonista de linguagem truculenta até na praça pública”. Paulo de Morais lembrou que o seu acusador tinha, por exemplo, chamado a José Pacheco Pereira “ a loira do PSD” e quanto a Rui Rio tinha falado do seu “amor pela música pimba”.

Mas, sobretudo, o tribunal entendeu que Paulo de Morais com as suas declarações visava dar cumprimento a uma exigência do Estado de Direito –uma explicação cabal sobre a origem do dinheiro no caso de uma figura pública e política – e não ofender ou por em causa o bom nome e a consideração de Luis Filipe Menezes, mesmo que as expressões utilizadas fossem exageradas ou contivessem imprecisões ou erros.

Para o tribunal não fazia sentido levar Paulo de Morais a julgamento e assim o decidiu. Paulo de Morais ficou triste mas descansado: não foi para Belém mas também não irá para o Aljube.

 

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