Não ao oportunismo, não ao tacticismo

1. Neste fim-de-semana, o Secretário-Geral do Partido Socialista voltou a fazer declarações sobre o fim do programa de ajustamento, desta feita a propósito da posição do Presidente da República favorável a uma linha cautelar (de resto, já há muito expressa).

Estas declarações de António José Seguro, que tiveram destaque mediático mas das quais não se tiraram todas as consequências, são bem mais graves do que à primeira vista pode parecer e não podem, em caso algum, passar em claro.

No congresso do PSD, lancei dois desafios à liderança do PS: primeiro, que se decidisse a apresentar finalmente o cabeça de lista às eleições europeias e, depois, que esclarecesse, de uma vez por todas e após perturbantes contradições, o que pensa o PS sobre o fim do programa de ajustamento. A resposta ao primeiro desafio veio logo no dia seguinte; a resposta ao segundo parece ter chegado neste fim-de-semana. Mas verdade seja dita, e independentemente do seu conteúdo, chegou sob a forma infeliz de um reparo ou advertência ao Presidente da República. Já há dias António José Seguro havia usado o mesmo tom e o mesmo expediente com o Presidente da Comissão Europeia, a respeito de um apelo ao consenso. Estes ataques sob a forma de remoque, algures entre a arrogância e o ressentimento, não são nada de bom augúrio. Quando uma das partes em jogo começa a visar os árbitros, geralmente já está em grande esforço, quiçá em desespero (pelo menos, argumentativo) …

2. Aquando do Congresso, enunciei as questões que queria pôr ao PS e ao seu líder e que passo a transcrever: “Pergunto, pois, a António José Seguro: o que pensa, o que realmente pensa o PS sobre a saída da Troika e o fim do programa de ajustamento? Ainda pensa, como insistiu num debate quinzenal de 2013, que um programa cautelar é o mesmo que um segundo resgate? Ou eventualmente pensa, como no início de Janeiro, em comentário crítico ao Presidente da República, que quer uma saída à irlandesa, sem nenhum programa? Ou já pensa, como na semana passada numa conferência em Lisboa, que afinal é melhor um programa cautelar e que este não é igual a um resgate?”

Pois bem, e o que veio agora ripostar António José Seguro? Veio advertir todos os actores políticos – aí incluído o Presidente – que, no que toca à conclusão do programa de assistência económico-financeira, têm de ter imensa prudência, subtileza e precaução. Veio lembrar que se trata de matéria extremamente sensível, com os contornos ainda por desenhar, e que essa incerteza aconselha cautela e contenção a todos os que sobre ela tenham de se pronunciar.

Importa, antes do mais, pôr as coisas no seu lugar. Como admitir que a liderança do PS que, ainda recentemente, fez sobre esta matéria declarações temerárias, possa vir agora falar em responsabilidade e contenção? Será que Seguro já se esqueceu do debate quinzenal em que deliberadamente procurou confundir a solução da linha cautelar com a solução de um segundo resgate, exigindo uma saída sem qualquer programa? Será que Seguro já olvidou que nesta precisa matéria, o PS já defendeu tudo e o seu contrário, navegando à bolina de cada momento? Como é possível vir defender essa discrição e contenção na praça pública, quando o PS não faz outra coisa senão falar desse assunto, ainda por cima em sentidos divergentes?

3. Se outras razões não houvesse, a atitude do PS e do seu líder, em face de um tema tão relevante para Portugal e para a nossa política europeia, merece total censura por falta de legitimidade moral. Como pode alguém recomendar prudência a todos os outros, se até aqui foi, a este respeito, sistematicamente imprudente?

Deixando de lado este considerando moral, importa perceber o que explica este desnorte, esta inconstância, esta premência para a opinião instantânea. E parece só haver uma explicação possível: o oportunismo mediático e o tacticismo político. Quando ainda pairava a sombra de um segundo resgate e parecia obrigatório um programa cautelar, Seguro e o PS pugnavam pela saída limpa. Com essa exigência – cuja verificação se antolhava irrealizável –, pensavam pôr em dificuldades o Governo português (e já agora Portugal e os portugueses). Quando o debate passou para o binómio linha cautelar/saída à irlandesa, desataram a oscilar de posição consoante uma ou outra solução se mostrasse mais viável. Se a linha cautelar lhes parecia plausível, clamavam pela saída sem programa e assim punham a pressão do lado Governo. Se a saída limpa lhes aparecia mais provável, começavam a punir pela antes execrada linha cautelar, para, na altura certa, poderem fustigar o Executivo. Não sobejam dúvidas, pois: a posição do PS em matéria de fecho do programa de ajustamento pautou-se apenas e só pelo tacticismo e pelo oportunismo político. Mesmo esta conversão apressada e atabalhoada à via da prudência não passa de uma resposta táctica e habilidosa, que procura fazer esquecer que o PS já teve todas as posições e mais uma a propósito desta questão crucial.

4. É absolutamente imperioso, até porque se abeira um período eleitoral, dizer não ao tacticismo, dizer não ao oportunismo, dizer não a este populismo mediático. Se o PS e António José Seguro insistem nesta toada de tacticismo puro e de oportunismo primário, o PS vai perder toda a credibilidade numa matéria decisiva para a nossa política europeia e para o nosso futuro. E digo-o aqui, sem qualquer tacticismo ou reserva mental, um PS credível faz falta ao futuro de Portugal pós-troika, ao futuro de Portugal na Europa.


SIM. Franz-Walter Steinmeier. O Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, alto dirigente do SPD, fez ontem elogios aos esforços do Governo e aos resultados já visíveis. Os socialistas europeus não alinham pelo padrão do PS português.

NÃO. Crimeia. Na crise ucraniana, é pouco prudente humilhar a Rússia, mas não pode contemporizar-se com uma anexação da Crimeia. Será uma caixa de Pandora, que cairá sobre a Rússia e sobre todos nós.

Deputado Europeu (PSD)
paulo.rangel@europarl.europa.eu


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