Na Dominó, a energia para os fornos pesa mais do que os salários

Deputados do PCP visitaram cerâmica para mostrar os altos custos da energia e a necessidade de facilitar o crédito às pequenas e médias empresas para as ajudar a crescer no mercado externo.

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João Oliveira afirma que os custos da energia têm de baixar para os sectores produtivos LUSA/PAULO NOVAIS

No enorme pavilhão da unidade de produção de ladrilho da Dominó vêem-se poucos dos 175 trabalhadores da empresa: quase todo o processo é mecanizado e um empilhador automático, controlado por sensores de laser – umas barras brancas pregadas nas paredes quase junto ao tecto -, anda num vai-e-vem constante, transportando as enormes grades onde os mosaicos descansam, depois de passarem pelo forno.

Na visita desta segunda-feira, no âmbito das jornadas parlamentares que estão a realizar no distrito de Coimbra, os deputados do PCP terão encontrado pouco mais de uma dúzia de trabalhadores entre as enormes máquinas vindas de Itália e, no final, João Oliveira haveria de defender que Portugal tem que apostar não só no produto final mas também na produção da maquinaria. “Do país de onde vem a concorrência no sector vêm também as máquinas…”

Na cerâmica Dominó, fundada em 1990 e que está instalada na zona industrial de Condeixa-a-Nova, arredores de Coimbra, os 175 trabalhadores estão divididos por três unidades – pavimentos, revestimentos e peças suplementares. A empresa labora 24 horas por dia, de segunda a sábado, com três turnos. Mas de noite estão apenas os 18 forneiros, que asseguram que as linhas não param.

A Dominó já viveu melhores dias. A construção caiu a pique nos últimos anos, as vendas ressentiram-se, cortou-se na produção e ainda hoje um dos fornos continua parado. Foi preciso fazer reestruturações, sobretudo da dívida junto dos bancos, cujo valor o administrador para a área industrial, Alberto Henrique, não quis revelar ao PÚBLICO. Mas os juros, admite, continuam a ser altos. O comunista João Oliveira pegou na questão para defender a necessidade da nacionalização do Novo Banco para, a par da CGD, colocar a banca a “favorecer os sectores produtivos”.

A crise também travou o investimento, embora na recepção da Dominó ainda estejam na parede os diplomas dos programas Compete (programa operacional factores de competitividade), Prime (programa de incentivos à modernização da economia) e POPH (programa operacional potencial humano). A empresa é um dos exemplos das “enormíssimas potencialidades produtivas do país que, com outra política económica, se podem traduzir em mais riqueza”, elogiou o líder parlamentar do PCP.

Crise cortou 25% da facturação

A Dominó, que se mantém totalmente portuguesa, factura agora 15,2 milhões de euros por ano, menos um quarto do que no tempo das “vacas gordas”, antes da crise, e tenta equilibrar as contas. Nos dois últimos anos teve lucro zero, mas o administrador acredita que este ano vai subir acima da linha de água. “Temos perspectivas de crescimento, isso sente-se no mercado desde o primeiro semestre de 2016”, conta o administrador aos jornalistas. Não houve grandes despedimentos – aproveitaram-se as saídas para a reforma e os contratos a prazo que terminaram -, mas hoje 15% dos trabalhadores têm vínculo temporário.

O que continua a pesar significativamente nos custos da empresa é a factura do gás natural – para alimentar os fornos – e da electricidade. Essa parcela é mais alta do que a dos salários – a média ronda os 750 euros por mês – e que a da matéria-prima, que é 100% nacional. As argilas e os feldspatos, que são transformados no pó atomizado que enche a prensa, vêm de Leiria. “Se o Estado tivesse mão sobre os sectores estratégicos, conseguia dar outras condições às empresas. Tem que haver uma resposta política para baixar os custos da energia”, defendeu, no final da visita, o líder parlamentar comunista, prometendo insistir no Parlamento com propostas para melhorar o acesso à energia. “De 2009 para 2017 os custos com o petróleo caíram para metade mas o custo da energia aumentou. Isso não faz sentido.”

Dos 9000 metros quadrados de ladrilhos ali produzidos por dia – suficientes para pavimentar um campo de futebol e as pistas de atletismo em volta -, dois terços vão para a exportação. Para o centro da Europa, sobretudo França, Alemanha e Reino Unido, África, países árabes (onde concorre com o mármore) e Estados Unidos. Para isso muito contribuíram as idas a feiras internacionais (aproveitando os apoios públicos para a internacionalização) a Orlando (EUA) e a Bolonha (a mais importante a nível mundial).

A concorrência no sector é grande e o segredo para o sucesso é apostar na eficiência e na inovação. Na pequena exposição da Dominó há uma variedade de ladrilhos coloridos, mas sobretudo de peças com acabamento em relevo, uma tendência cada vez maior. “Já não estamos no tempo da massificação do produto. Hoje trabalhamos para a área da recuperação, para arquitectos que querem exclusividade, apostamos em produto de maior valor acrescentado”, conta Alberto Henrique – é como se a filosofia gourmet já tivesse chegado ao ladrilho.  

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