Mourinho Félix nega acordo com Domingues para isentar gestores da CGD

O secretário de Estado das Finanças diz que a não entrega de declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional "não foi objecto de nenhum acordo" e admite que num primeiro momento considerou que a isenção poderia ser consequência das alterações legislativas.

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Secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix em audição parlamentar Miguel Manso

Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado das Finanças, nega qualquer acordo com António Domingues, ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos, para que os administradores do banco público ficassem isentos de entregar ao Tribunal Constitucional as declarações de rendimentos como todos os restantes titulares de cargos públicos. Contudo, o governante admitiu que num primeiro momento considerou que essa isenção poderia ser uma consequência da alteração que o Governo fez para retirar os administradores da CGD do Estatuto do Gestor Público.

"A não obrigatoriedade de entrega das declarações ao Tribunal Constitucional nunca foi objecto de nenhum acordo, de nenhuma conversa estruturada nem entre mim, o ministro das Finanças e António Domingues, nem [só] com António Domingues", disse aos deputados esta terça-feira à tarde na audição da comissão de inquérito que analisa a nomeação e demissão de António Domingues para presidente da CGD em 2016.

De acordo com o secretário de Estado, a questão era "referida ocasionalmente" e "a espaços" e "nunca foi posto em nenhum momento como premissa essencial". Tanto que, lembra, António Domingues não o referiu "na carta" que enviou ao ministro das Finanças logo depois de ter sido convidado e só o refere numa missiva de Novembro, quando já está iminente a demissão.

O assunto remete para o ano passado quando surgiram as primeiras notícias de que, com as alterações à legislação que tinham sido feitas - alteração ao Estatuto do Gestor Público (EGP) -, os administradores da CGD estavam isentos de entregar as declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional como todos os outros titulares de cargos políticos. António Domingues considerou que havia essa garantia dada pelo Governo, Mário Centeno falou em "erro de percepção mútuo". 

No entanto, tinha sido o próprio secretário de Estado que, em declarações ao DN em Outubro e em resposta do Ministério das Finanças ao PÚBLICO, disse que não tinha sido "um lapso" e que a retirada do EGP era "intencional" e tinha como consequência a isenção de entrega das declarações. "A ideia é a CGD ser tratada com qualquer outro banco. Essa foi a razão para que fosse retirada do Estatuto do Gestor Público. Está sujeita a um conjunto de regras mais profundo, como estão todos os bancos. Não faz sentido estar sujeita às duas coisas. Não foi lapso. O escrutínio já é feito", respondeu o Ministério quando a pergunta enviada pelo PÚBLICO se referia à notícia de que a retirada do EGP faria com que existisse essa isenção.

Confrontado pelo deputado do Bloco de Esquerda Moisés Ferreira sobre esta contradição, Mourinho Félixprecisou: "Aquilo que eu e o senhor ministro quisemos deixar claro foi que não era verdade. Estava assegurado que não havia nenhum vazio de transparência. Os gestores bancários estão sujeitos a regras europeias", defendeu.

Acontece que no dia em que Mourinho Félix responde ao DN e às perguntas do PÚBLICO, o PÚBLICO lançou a notícia que era entendimento do Tribunal Constitucional que a lei 4/83 estava em vigor. Por isso, Mourinho Félix referiu que "o entendimento era que a lei 4/83 não era afastada". "Se essa lei não foi tocada – e não foi – não havia questão. Havia que entregar as declarações", defendeu.

Mais tarde, o secretário de Estado foi confrontado pelo deputado do CDS António Carlos Monteiro com o facto de ter dado duas opiniões diferentes no mesmo dia. Mourinho Félix acabou por admitir que num primeiro momento teve dúvidas sobre as consequências totais da retirada dos administradores do EGP, admitindo que a isenção da entrega das declarações "era algo que poderia decorrer".

"Se decorresse daí, o controlo era assegurado" pelo escrutínio muito apertado das regras europeias, garantiu. Ou seja, durante essa tarde, mudou de opinião. Isto porque nas respostas ao DN, primeiro disse que foi "intencional" a retirada dos administradores da CGD do EGP e que a não entrega das declarações não era por isso um lapso. Mais tarde, nesse mesmo dia, fala segunda vez com o DN (segundo o que está relatado na notícia) para referir que a lei de 83 se mantinha em vigor. 

Questionado pelo deputado centrista sobre esta contradição, disse que durante essa tarde falou com vários juristas e que havia o entendimento que a lei de 83 se aplicava, logo que os administradores teriam de entregar as declarações.

Esta foi uma discussão jurídica que durou algumas semanas, no entendimento de alguns juristas, ao deixarem de estar sob a alçada do EGP, os administradores da CGD não poderiam ser considerados legalmente como gestores públicos, logo não lhes poderia ser aplicada a lei de controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos.

 

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