Mobilidade social: um desígnio para o PSD pós-troika (3)

Um partido como o PSD, enquanto movimento defensor de uma alavanca social, terá de ser capaz de arrojar, de inovar, de romper com alguns dos imobilismos que agrilhoam a sociedade portuguesa.

1. Aqui há três semanas, no segundo artigo sobre os desígnios do PSD para o período pós-troika, terminava a prosa com uma pergunta directa. A pergunta era tão simplesmente esta: “que grandes causas deve agora protagonizar o PSD?”. Na verdade, depois do ciclo do ajustamento, em que se teve que actuar num clima de “estado de necessidade financeira” – de autêntica emergência ou excepção –, é importante consensualizar um princípio programático mobilizador. Um princípio que possa ser o fio condutor das diferentes políticas públicas e que possa funcionar como um instrumento de interpretação e de avaliação da actuação do partido. Para lá da agenda das contas públicas (e privadas) boas e sãs – que terá sempre de estar presente e que, em bom rigor, não é uma agenda de direita, de centro ou de esquerda –, que valor ou valores devem inspirar e nortear a acção de um partido com a história e com o legado do PSD?

2. Como partido de eleitores e como partido de militantes, com uma nítida vocação maioritária, que ambiciona a maioria absoluta (só ou liderando uma coligação), o PSD é um partido de implantação territorial ampla e molecular. Olhando para a sua implantação original, incrustada nas classes médias da pequena e mediana burguesia, dos pequenos proprietários rurais e de uma fatia relevante dos letrados, o PSD ancora-se nos sectores mais dinâmicos da sociedade civil. Ou seja, em sectores que, tendo alguma base económica e material, aspiram a chegar mais longe e melhorar a situação económica, social e cultural. Não apenas a “sua” concreta situação – enquanto unidades familiares ou até indivíduos –, mas também a das suas comunidades, a das suas terras e das gentes que as povoam. São aqueles que sempre acreditaram no “sonho europeu”, na capacidade do país sair da letargia do Estado Novo e de se pôr a par e passo com os países da Europa do Norte, com economias de mercado que não descuram os padrões de bem-estar da generalidade da população.

3. O grande desígnio do PSD tem, por isso, de ser um desígnio que seja capaz de conciliar essa história de base do dinamismo da sociedade civil com essa proximidade existencial e comunitária, que entronca na ideia de justiça social. O desígnio, que combina estes dois elementos e os articula, só pode ser, a meu ver, a ideia de mobilidade social. A ideia – ou o sonho, se se preferir – de que cada português possa progredir, possa subir na escala social, económica e cultural e que possa oferecer à geração seguinte, dos seus filhos ou dos seus netos, a capacidade de ascender, de subir, de melhorar, de progredir. O sonho que o PSD deve passar aos portugueses, na segunda década do século XXI, deve hipostasiar-se na aspiração da mobilidade social. Com efeito, o desígnio da mobilidade social conjuga igualdade com liberdade e justiça com iniciativa; conecta o combate à desigualdade, à pobreza e à exclusão com a iniciativa individual, a liberdade e o espírito empreendedor e a empresarial.

4. Para dar corpo a este desígnio valorativo ou programático, não basta, porém e em jeito de invocação mítico-mágica, enunciá-lo e inscrevê-lo nos documentos de reflexão e de trabalho. Para se fazer da mobilidade social um genuíno e autêntico desígnio partidário, é necessário também que o partido seja, de novo, capaz de chegar às mulheres e aos homens mais empreendedores, mais livres, mais descomplexados, mais desprendidos e, bem assim, de os captar para o cerne da vida política e partidária.

Ao invés do que muitos supõem, existem hoje condições óptimas para alcançar esses nichos mais “desempoeirados” da sociedade civil. Assim, queira o partido – o que, atenta a evidente cristalização e acomodação dos aparelhos, é tudo menos seguro. Os núcleos partidários mais urbanos ou mais próximos das lides universitárias terão de apostar numa ligação sistemática ao meio das “start ups” e procurar trazer essa geração inovadora e irrequieta para o debate político. Uma geração “internacionalizada”, em rede com os mais diversos centros de saber e de poder global, capaz de desafiar e de arriscar, é absolutamente imprescindível a um processo de modernização político-partidária.

Indo, aliás, mais longe, e apostando num diálogo que será talvez mais fácil de entabular, as estruturas partidárias deveriam entrar em contacto e criar rede com os emigrantes portugueses em todo o mundo. Na realidade, os núcleos e secções, espalhados por todo o território nacional, podem facilmente organizar “listas” de emigrantes portugueses da sua área e procurar entrar em contacto com eles, aliciando-os para o debate político. Os emigrantes, mais ou menos qualificados, mais antigos ou mais recentes, são o melhor do espírito livre e até de aventura. Foram eles que, em condições muito mais funestas do que as de hoje e com muito menos recursos de toda a espécie, fizeram o grande salto económico dos anos 60. E agora, com a nova vaga de emigrantes, são eles que, por definição, podem representar e consubstanciar o PSD como o partido da mobilidade social.

5. Eis dois exemplos bem ilustrativos de como, com algum voluntarismo, se pode tentar melhorar e aperfeiçoar o perfil político de um partido no século XXI. Não apenas depurando a formulação de causas ou de uma causa programática, mas também sendo capaz de identificar os nichos de protagonistas que podem dar vida e corpo a essa causa. Tudo isso em congruência com a história e a base genética do partido e com a actual contingência sociológica e tecnológica, ou, se quisermos, “tecno-social”. Evidentemente, isso significa que um partido como o PSD, enquanto movimento defensor de uma alavanca social, terá também de ser capaz de arrojar, de inovar, de romper com alguns dos imobilismos que agrilhoam a sociedade portuguesa. É justamente sobre uma dessas ideias fracturantes que falarei num dos próximos artigos.

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