Lei sobre metadados não ficará pronta para a visita do Papa

A lei que permite aos serviços secretos terem acesso às informações sobre comunicações não estará pronta a tempo do centenário de Fátima. Tem de ir ao Parlamento e Marcelo poderá enviá-la de novo ao TC.

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O primeiro-ministro está a finalizar a lei sobre metadados, mas o Presidente poderá enviar diploma de novo ao TC antes de o promulgar Nuno Ferreira Santos

A lei que autoriza o acesso dos serviços secretos aos metadados não deverá estar aprovada par a entrar em vigor antes da visita do Papa Francisco ao Santuário de Fátima na celebração do centenário das aparições.

A lei está em fase de ultimação no gabinete do primeiro-ministro, António Costa, que tutela directamente os serviços secretos. Segundo a informação recolhida pelo PÚBLICO, o diploma ainda nem sequer foi posto em circulação dentro do Governo, muito menos apresentado na sua versão final aos parceiros de aliança político-parlamentar que suportam o Governo, o BE, o PCP e o PEV.

O processo legislativo neste caso obriga a que este assunto seja legislado pelo Parlamento. Daí que a proposta de lei tenha de passar por aprovação no hemiciclo de São Bento, sendo depois enviada ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para promulgação.

A demora da entrada em vigor da lei poderá aumentar pela eventualidade de o Presidente da República decidir enviar o diploma de novo ao Tribunal Constitucional (TC). Uma hipótese não excluída uma vez que o assunto é sensível e a presente alteração à lei surge após o chumbo por inconstitucionalidade, no Palácio Ratton, da lei no mesmo sentido aprovada pelo Governo de Pedro Passos Coelho em 22 de Junho de 2015.

De acordo com as informações obtidas pelo PÚBLICO, a proposta de lei que o primeiro-ministro está a ultimar tem duas “alterações de fundo fundamentais” em relação à lei chumbada pelo TC. Primeira: “restringe o acesso aos dados de tráfego para prevenir terrorismo e espionagem, não permitindo outro tipo de crimes como o diploma declarado inconstitucional” explicou um responsável pelo processo legislativo ao PÚBLICO.

A segunda alteração face a 2015 prende-se com a mudança de critérios de autorização. Agora esta só poderá ser obtida junto do “Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de modo a garantir controlo judicial”, e “não por uma comissão de magistrados”, como previa a lei do Governo de Passos Coelho. “Assim, tendo carácter mais restrito e com maior controle judicial, esperamos maior consenso político e satisfazer as exigências do anterior acordão do TC”, sublinhou ao PÚBLICO o mesmo responsável.

Quinta-feira no Parlamento, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa,  assumiu mesmo que o Governo se revê na solução apresentada pelo CDS no seu projecto de lei a 29 de Março. O projecto do CDS propõe a criação de uma secção especial junto do STJ para autorizar este instrumento de investigação. A diferença entre o Governo e o CDS é que este partido admite o acesso aos metadados também em casos de criminalidade altamente organizada e não apenas perante crimes de terrorismo e espionagem.

O acesso aos metadados é uma reivindicação antiga dos Serviços de Informação da República Portuguesa, que engloba o Sistema de Informações e Segurança e os Serviços de Informações Estratégicos de Defesa.

Na prática, o que é pretendido é o acesso aos dados sobre comunicações de telemóvel, telefone e internet. Não os conteúdos – o “o quê” -mas o “quem, quando e com quem” das comunicações. Como a ministra afirmou no Parlamento: “Trata-se de saber se A falou com B e estabelecer uma ligação de intelligence.” Em relação aos conteúdos continua a ser necessário autorização judicial para escutas. O tipo de informação pretendido é considerado vital pelos serviços de informação para a prevenção da ameaça terrorista e de espionagem, pois permite a geolocalização dos suspeitos e a reconstituição das suas comunicações. É o ponto de partida para o “desenho” das redes ou células e o acompanhamento da evolução da sua estrutura. Daí que entre 26 países europeus, em 24 seja facultado o acesso das autoridades aos metadados. As duas excepções são Portugal e a Suíça.

Em 2015, com os votos do PSD, CDS e dos deputados socialistas, foi aprovado uma nova lei-quadro das “secretas”, permitindo o acesso aos metadados, cuja conformidade com a Constituição viria a ser recusada a 27 de Agosto por seis de sete juízes do Tribunal Constitucional. Então, PCP e BE votaram contra.

Hoje é admitido que a situação internacional de 2015 é diferente e a percepção de ameaça de terrorismo é menos difusa. Também reconhecem avanços na proposta do Governo, nomeadamente a limitação a terrorismo e espionagem e a sua autorização pelo STJ. Contudo põem em causa a constitucionalidade da medida e poderão não mudar o voto. É na consensualização de posições com o PSD que o Governo trabalha.

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