Marcelo é para ler nas entrelinhas

Na sua primeira entrevista televisiva, um ano depois, Marcelo não foi surpreendente. Mas foi mais claro do que pode parecer à primeira vista.

Na sua primeira entrevista televisiva, um ano depois da vitória eleitoral, o Presidente não foi surpreendente - porque nenhum político que fala diariamente pode surpreender se não entrar em contradição. Mas, porque estamos a falar de Marcelo, o tom que usou escondeu bem mais do que um ouvinte descomprometido terá percebido naqueles 40 minutos. Bastará alguns exemplos para ilustrar porquê.

Marcelo não diz por acaso que a política portuguesa não está num impasse. Di-lo porque se instalou a dúvida, neste início de ano, sobre a capacidade de António Costa em formar maiorias na Assembleia para aprovar decretos importantes.

Marcelo não diz por acaso que a redução da TSU teve o seu apoio activo, ou que a medida servia para dar um sinal para dentro e para fora do país. Di-lo porque quer forçar uma solução, para manter o objectivo.

Marcelo não diz por acaso que "o ideal" é o país ter um governo e uma liderança da oposição "fortes" e para quatro anos. Di-lo, com essas palavras, porque não jura pelo primeiro (mas faz por o ajudar); e porque tem dúvidas sobre o segundo, mas não o pode dizer.

Marcelo não diz por acaso que ele "e o primeiro-ministro" ajudaram a banca privada, "apesar de algumas pessoas" terem criticado. Di-lo porque quem o criticou foi o PSD - e porque ele, Presidente, não gostou.

Marcelo também não diz por acaso que o PIB do ano passado terá sido melhor do que se pensava - e que o défice terá sido menor também. Diz isso para mostrar que, com o seu apoio (como sublinhou "com humildade"), o Governo fez um caminho, que conta que ele prossiga.

Marcelo aparece muito, fala quase todos os dias com os portugueses. Neste domingo, na SIC, explicou que o faz porque  sente a necessidade de enquadrar os portugueses e sobretudo os agentes políticos. Palavras do Presidente: "As pessoas querem tentar compreender. E foi preciso prevenir conflitos, foi preciso intervir muito neste primeiro ano".

Sim, Marcelo voltou aos domingos, mas já não como o comentador. Foi mesmo como o chefe de Estado que se compara com o estilo de Soares, que não se coibe de traçar caminhos, de condicionar os movimentos do Governo e de marcar objectivos também à oposição. 

Passou já um ano com Marcelo. E vão seguir-se mais três anos e nove meses até que ele diga ao país se volta a candidatar-se ao cargo de Presidente: será em Setembro de 2020, a quatro meses das próximas presidenciais. Até lá vai passar muita água por baixo da ponte, incluindo umas autárquicas, europeias e legislativas. Mas contemos com ele, até lá e depois disso: se Marcelo não quisesse, não marcava data nenhuma. 

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