Marcelo conheceu os SMS de Centeno e Domingues (e não gostou)

Lobo Xavier disse que havia dados escondidos sobre a polémica com Domingues, e Marcelo quis saber o quê. Depois, veio um puxão de orelhas público. E agora? Para já, ponto final em Belém. Os socialistas é que não gostaram da nota presidencial.

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Marcelo deixou claro "aceitar" a manutenção de Centeno por "estrito interesse nacional" evr Enric Vives-Rubio

Marcelo ficou em sobresssalto quando, na útima quinta-feira, ouviu António Lobo Xavier dizer na SIC-Notícias que havia SMS e outras comunicações entre as Finanças e António Domingues, provando que houve não só um acordo, como uma negociação para isentar a anterior administração da Caixa de entregar no TC as respectivas declarações de rendimentos. Se, até aí, o Presidente estava tranquilo com a posição do ministro das Finanças, nesse momento resolveu falar com Lobo Xavier — que é conselheiro de Estado, mas também advogado e amigo de Domingues.

Falando com Lobo Xavier, o chefe de Estado pediu dados sobre os meandros das negociações do Verão passado: negociações de documentos legais e SMS - incluindo um em que, alegadamente, Centeno dizia a Domingues que o assunto das declarações estava encaminhado e que o Governo já falara com o Presidente... Marcelo quis ver tudo o que pudesse levar a acreditar que o Governo prometera a Domingues o que depois viria a negar. Surpreendendo-se com as respostas do advogado — que recusa comentar estes factos —, foi aí que o Presidente desencadeou um verdadeiro xeque ao ministro das Finanças, apurou o PÚBLICO. Falou com o primeiro-ministro, este deu indicação a Mário Centeno e o ministro acabou por ir ao Palácio de Belém, ao almoço de segunda-feira, dar-lhe explicações sobre os novos dados. Depois veio a conferência de imprensa, o reconhecimento de um “erro” do ministro e um comunicado de São Bento.

Na prática, assegura ao PÚBLICO a mesma fonte, o Presidente sentiu que o Governo lhe escondera dados. E deixou claro o desagrado numa nota publicada às 23h47 de segunda-feira, no site da Presidência, em que diz que “registou as explicações, tomou devida nota, reteve a admissão, pelo senhor ministro das Finanças, de eventual erro de perceção mútuo na transmissão das suas posições. E acabou por pôr o ministro na delicada situação de só aceitar mantê-lo em funções atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira.

Para já é, portanto, um ponto final — o que Marcelo colocou à polémica. Na Presidência olha-se para uma demissão do ministro como desencadeador de um problema de larga escala, à medida do que aconteceu há três anos quando Vítor Gaspar se demitiu do Governo de Passos Coelho.

O que ficou aberta foi, por outro lado, uma ferida entre os socialistas, por causa do comunicado de Marcelo sobre o encontro com Mário Centeno, em que o Presidente declarou aceitar a manutenção do ministro das Finanças, “atendendo ao estrito interesse nacional em termos de estabilidade financeira”. 

Se antes da nota de segunda-feira à noite sobre Mário Centeno o Presidente da República estava sob críticas do PSD, depois daquela comunicação ouve reparos do PS. Porfírio Silva, deputado e membro do secretariado nacional do PS, aconselhou Marcelo Rebelo de Sousa a “respeitar os poderes próprios e os poderes dos demais órgãos de soberania”. Vital Moreira lembra que o Presidente “não é co-titular da acção governativa, pelo que não deve imiscuir-se no exercício desta pelo Governo nem parecer como se fosse tutor ou arauto deste”. E o deputado Ascenso Simões considerou “vergonhosa” a nota presidencial.

“Não basta querer ser ‘presidente de todos os portugueses’ para ser um bom PR”, escreveu Porfírio Silva no Facebook. “É preciso não ter a tentação de compensar o excessivo activismo com a técnica de ‘uma no cravo, outra na ferradura’. E também é preciso evitar o método que se costuma chamar ‘atirar a pedra e esconder a mão’”, acrescenta.

“Os ministros não carecem da confiança política do PR, nem este os pode demitir por sua iniciativa, sem prejuízo de poder suscitar a questão da permanência de um ministro perante o primeiro-ministro”, escreve o constitucionalista e ex-eurodeputado Vital Moreira no seu blogue Causa Nossa. Mais: “Quando um ministro se sente na necessidade de colocar o seu lugar à disposição, fá-lo perante o primeiro-ministro, não perante o Presidente.”

Reacções com pinças à direita

Do lado da direita, as reacções fazem-se com pinças. Nem PSD nem CDS, pelo menos na linha oficial, parecem querer apontar baterias a Marcelo, preferindo atirar ao Governo. Ontem, Diogo Feio, director do gabinete de estudos do CDS, sustentou que o Presidente “ocupa o centro político” e que “demonstrou aos mais precipitados que devem aguardar serenamente pelo fim das histórias”.

O antigo líder parlamentar do CDS considerou, no Facebook, que “o Presidente não vai gerar crises”, mas que “na relação entre órgãos de soberania exerce uma enorme preponderância sobre o Governo” e sustentou que Marcelo “gere com cuidado o maior peso presidencial” de que se lembra no “sistema de Governo”.

Também João Almeida, porta-voz do partido, se escusa a fazer avaliações sobre a intervenção presidencial. “Temos papéis constitucionais diferentes. O da Assembleia da República é o de fiscalizar o Governo”, afirma o deputado quando confrontado com a posição assumida pelo Presidente da República.

Segunda-feira à noite, ainda antes do comunicado da Presidência, o social-democrata Luís Marques Guedes deixava um aviso ao chefe de Estado, mas desprovido de crítica directa. “O Presidente da República que se cuide. No saber de experiência feito do seu ilustre antecessor, quando as palavras deixam de se conformar com a realidade dos factos, convém passar a olhar com desconfiança para a ‘narrativa’ e as ‘boas notícias’ que lhe são vendidas pelo primeiro-ministro”, escreveu o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares na newsletter do partido.

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