Manual de bom comportamento para políticos nas redes sociais

Válido também para jornalistas, professores, pais e até adolescentes que se iniciam online. Porque, na verdade, um pouco de bom senso nunca fez mal a ninguém.

Não há como o rescaldo de uma polémica para problematizar as questões que estão a montante. A história que me leva a escrever estas linhas podia não ter passado de um comentário impróprio entre amigos, não fosse dar-se o caso de ter acontecido numa rede social em que os utilizadores se seguem uns aos outros quase sempre sem precisarem de autorização expressa e sem estarem unidos por um laço de amizade. 

Foi no Twitter que um eurodeputado do PS comparou uma parlamentar socialista do Porto a uma cigana, não só pelo aspecto, mas também pela forma como cedeu a centralismos, votando a favor da candidatura de Lisboa para ser a cidade anfitriã da Agência Europeia de Medicamento - como aliás votou todo o Parlamento, unânime.

Não perderei tempo com a Agência. Não é essa a questão a problematizar. O que tem de ser bem medido é o comportamento dos políticos - é não só - nas redes sociais. Não é exactamente como o caso do ministro que comparou, em conversa privada, a concertação social a uma feira de gado e acabou apanhado pelas câmaras. Não lhe ficou bem, ninguém dirá o contrário, mas não é igual a escrever uma frase com menos de 140 caracteres e carregar na tecla “tweetar”, disponibilizando-a publicamente, por vontade própria.

Não é preciso ser especialista em engenharia informática para ter uma existência nas redes sociais, mas é preciso uma dose de bom senso - e já agora de sensibilidade. Eu diria que é preciso obedecer a uma espécie de dez mandamentos (nesta minha versão são oito) para não ser engolido pela vertigem da internet, que pode ter tão doce como cruel.

Primeiro mandamento: Honrarás o teu papel social
O utilizador de uma rede deste tipo, qualquer que ela seja, não pode esquecer-se de que tem um papel na sociedade. Pode ser pai ou mãe, padre ou deputado. Para cada uma dessas funções há comportamentos adequados e desadequados fora da internet. Não é auto-censura, é filtro social. Basta aplicá-lo.

Segundo mandamento: Não partilharás segredos na internet
As redes sociais são janelas para o mundo. Espanto-me sempre quando um político partilha uma informação no Twitter ou no Facebook, onde tem como seguidores alguns jornalistas, e espera que ela não seja pública. Pode não ter interesse público, o que é uma coisa diferente, mas se está publicada, não é off the record

Terceiro mandamento: Não insultarás o próximo
Escrever um tweet não é o mesmo que desabafar com um amigo. Há um mínimo de moderação e compostura que se exige a um político tanto na internet como fora dela. Insultar alguém em público tem consequências. Quando não se pode contribuir com argumentos válidos para a discussão, é melhor dar a conversa por encerrada.

Quarto mandamento: Serás tolerante e saberás ouvir/ler
Na sequência da terceira regra, a quarta implica tolerância. É mais fácil tê-la cara-a-cara do que quando se está escondido atrás do ecrã de um computador ou smartphone. Mas vale a pena ter tranquilidade para ler uma crítica ou um disparate e não lhe dar resposta. Além disso, o que é escrito, escrito fica. Um dia, o histórico das redes sociais será a memória do povo.

Quinto mandamento: Não usarás o humor como uma arma contra ti próprio
Nada contra um post bem-disposto ou uma observação divertida. Mas muito cuidado com as indirectas engraçadas ou com o humor negro que pode ofender alguém. Não há necessidade, como diria o Diácono Remédios.

Sexto mandamento: Saberás que nem tudo o que lês na internet é verdade
Nas redes sociais é fácil fazer uma espécie de “corta e cola” de algo lido noutro mural. Mas antes de partilhar, devia ser obrigatório confirmar se aquele passeio na avenida foi mesmo reduzido a metade ou se aquela pessoa é mesmo filha da outra e não mera coincidência de apelido. Válido para todos os utilizadores de redes sociais.

Sétimo mandamento: Partilharás o que pensas, não o que comes
Não se trata de guardar segredo para não causar inveja ou para não despertar a gula da “audiência”, mas o que pode ter mais interesse no mural de um político é aquilo que os ingleses designam por “food for thought” (comida para o pensamento) e não a comida propriamente dita.

Oitavo mandamento: Não te auto-elogiarás
Outra maneira de dizer que o autor não precisa de fazer “gosto” em todos os posts ou tweets que partilha. Nem sequer é bom para a auto-estima. Os seguidores e amigos existem para isso e, já agora, são a declaração de interesses dos donos dos perfis. Diz-me com quem andas na internet, dir-te-ei quem és.

As oito regras são válidas também para jornalistas, professores, pais e até adolescentes que se iniciam online. Porque, na verdade, um pouco de bom senso nunca fez mal a ninguém.

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