Brasil assume-se como mediador entre Lisboa e Luanda na polémica da CPLP

Portugal mantém intenção de apresentar candidatura a secretário-executivo da CPLP. Quer o Presidente da República quer o Governo invocam o princípio da rotatividade entre nove Estados-membros para avançar com um candidato. Albergar a sede da organização não retira direitos, apontam.

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Marcelo visitou a sede da CPLP na segunda-feira Enric Vives-Rubio

Não está excluída a apresentação, por Portugal, de um candidato a secretário-executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) na XV reunião ministerial dos chefes da diplomacia que decorre esta quinta-feira na sede da organização, no Palácio Conde de Penafiel, em Lisboa. Embora tal eleição só ocorra na cimeira de chefes de Estado em Brasília, de Julho, este encontro decorre depois de duas semanas de polémica e da intensa jornada diplomática de  quarta-feira.

Em Janeiro, no Seminário Diplomático com embaixadores e altos funcionários do Palácio das Necessidades, o ministro Augusto Santos Silva definiu a eleição, segundo o método rotativo da CPLP, de um candidato a secretário-executivo. Em entrevista ao PÚBLICO, Santos Silva reiterou a apresentação “da candidatura de um português ou de uma portuguesa” a secretário-executivo. Seguindo, o princípio de rotatividade por ordem alfabética: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Recorda-se que a Guiné-Equatorial é o membro mais recente, pois aderiu em 2014, e terá de esperar pela conclusão desta roda.

É este procedimento que se discute em Lisboa. “Saberemos todos encontrar uma solução de consenso para a sucessão do secretariado executivo da CPLP (…), tenho a certeza que não faltará habilidade para os países membros para encontrar uma solução que seja adequada a todos os países”, disse o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, após um encontro com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

O Brasil protagonizou nas últimas horas uma intensa actividade diplomática. Em princípio, os brasileiros desvincularam-se da alegada norma não escrita que inviabilizaria a candidatura portuguesa, e aparentemente surgem como mediadores. Vieira manteve reuniões com o seu homólogo angolano, Georges Chikoti, e com o chefe da diplomacia portuguesa.

Duas semanas após as declarações de Santos Silva, o actual secretário-executivo, o moçambicano Murade Murargy, referiu “um acordo de cavalheiros” para que o país que acolhe a sede (Portugal) não assuma o secretariado executivo. Aliás, no Palácio Conde de Penafiel, os diplomatas africanos salientam que boa parte dos funcionários da CPLP são portugueses.

A sede em Lisboa e a presença de portugueses a ali trabalharem sugerem uma contrapartida. Murargy falou de “uma norma não escrita” nos estatutos e exemplificou com outros casos: os norte-americanos não se candidatam a secretário-geral da ONU, o mesmo faz a França quanto à direcção da Unesco e a Inglaterra com a presidência da Commonwealth.

Fantasma do neocolonialismo

Nesta versão, divulgada a 7 de Fevereiro, Murade Murargy recebeu o apoio de José Maria Neves, primeiro-ministro de Cabo-Verde. Contudo, o primeiro secretário-executivo da CPLP entre 1996 e 2000, o angolano Marcolino Moco, afirmou desconhecer “qualquer acordo verbal” que limitasse a pretensão portuguesa. “Na minha vez, nunca ouvi tal acordo verbal e isso nem sequer está escrito em lado nenhum”, acentuou. Frisou mesmo, em declarações à Lusa, que ouviu falar da questão “apenas este ano” sem adiantar pormenores.

No entanto, a polémica subiu de tom. “Portugal quer fazer uma imposição quando se sabe que é a vez de São Tomé e Príncipe assumir o cargo”, disse o ministro das Relações Externas de Angola, Georges Chikoti, ao Jornal de Angola de 9 de Fevereiro. Chikoti não se eximiu a um “contar de espingardas” pouco diplomático, quando referiu que, tal como Angola, Moçambique e Brasil se opõem. A estes três países, nos nove Estados da CPLP, se juntariam São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné Equatorial.

O editorial do Jornal de Angola de 11 de Março era peremptório: “A posição que está a ser adoptada pela diplomacia portuguesa apenas vem confirmar os receios de muitos observadores africanos que apontavam para a intenção camuflada de Portugal, desde o início da formação da comunidade, de submeter a CPLP à sua agenda interna, à sua política, à sua diplomacia, aos seus interesses estratégicos, funcionando apenas a Comunidade como trampolim para Lisboa ir buscar mais uns fundos aqui e ali, da União Europeia e de outras estruturas internacionais”. Um verdadeiro processo de intenções com o fantasma do neocolonialismo.

A matemática que presidiu a estes cálculos é falível. O Brasil marcou distâncias com o “não” ao candidato português – daí a mediação diplomática em Lisboa - tal como Timor-Leste. A provar que nem estudo está determinado, Carlos Veiga, primeiro-ministro de Cabo Verde aquando da criação da CPLP, tem opinião diferente da do seu actual Governo: “Não tenho ideia de que tenha acontecido [o acordo verbal] e não vejo muita lógica porque o facto de Portugal ter aceitado ser sede da CPLP foi algo normal e até desejado porque foi o país que mais puxou pela criação da CPLP e não vejo que esta seja uma razão para agora retirar a Portugal a possibilidade de indicar um secretário-executivo.”

De Lisboa chega o reiterar do objectivo – eleição do candidato a secretário-executivo – a várias vozes. Na segunda-feira, o Presidente da República, na visita à sede da CPLP, referiu explicitamente o critério de rotação para a eleição de cargos na organização. Dias antes, a 11 de Março, o ministro das Relações Externas, Georges Chikoti, disse que o seu país não foi convidado para a tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa, mas que tal “não belisca” a situação entre os dois países. Uma referência despropositada, quando a lista de presenças à cerimónia era há muito conhecida, bem como os motivos de natureza económica e social da sua elaboração.

 Esta sucessão de declarações e frentes abertas por Angola evidencia nervosismo. “Países amigos, saberão facilmente chegar a consenso”, comentou na noite de terça-feira, o ministro Augusto Santos Silva. Tal como desdramatizou esta quarta-feira o seu homólogo brasileiro à saída de Belém.

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