Kristalina até pode “ajudar” Guterres

A candidatura pode cair muito mal na sede das Nações Unidas, dizem fontes diplomáticas em Lisboa.

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António Guterres venceu todas as cinco votações informais Denis Balibouse / Reuters

A candidatura da vice-presidente da Comissão Europeia, Kristalina Georgieva, ao cargo de secretário-geral da ONU não está, por enquanto, a dar grande preocupação ao candidato português que venceu todas as cinco votações até agora, mantendo um apoio de 12 dos 15 membros do Conselho de Segurança.

A forma como a sua candidatura surgiu, dizem fontes diplomáticas em Lisboa, próximas do processo, vai cair muito mal em Nova Iorque, por ser contrária a todo o esforço de transparência que está a ser feito em torno dos candidatos.

As características da candidata, que só muito tarde obteve o aparente consenso do Governo búlgaro, também não são de molde a cair bem nos corredores da ONU. É uma candidata pouco nacional e muito fabricada em Bruxelas e Berlim por uma organização partidária (o PPE), patrocinada abertamente pela chanceler alemã. “Angela Merkel já manda bastante na Europa, mas decidir quem é o próximo secretário-geral da ONU já está muito além das suas capacidades”, diz uma fonte.

As diferentes fontes diplomáticas contactadas pelo PÚBLICO dizem que a candidatura de Georgieva poderia ter alguma viabilidade apenas no caso em que esta última votação tivesse caminhado para um empate relativo entre Guterres e outro candidato – como, por exemplo, o eslovaco, que chegou a ocupar o segundo lugar. Mas isso não aconteceu, como se verificou na última votação. “Para haver terceiros candidatos para desempatar, é preciso haver empate”, disse ao PÚBLICO um diplomata envolvido na negociação. Não é manifestamente o caso. Segundo a mesma fonte, Georgieva pode afectar mais a votação em Miroslav Lajcak do que no candidato português.

A candidatura de Georgieva foi sempre alimentada pelo PPE, onde estão representados o PSD e o CDS-PP portugueses. Publicamente, o empenho de Mário David, eurodeputado do PSD que se move muito bem no grupo de centro direita europeu, na candidatura da vice-presidente da Comissão ao principal cargo da ONU, já era um facto público e indesmentível.

O argumento era dar a candidatura de Guterres como derrotada à partida, o que hoje é difícil de justificar. Mário David era uma figura muito próxima de Durão Barroso, quando este foi presidente da Comissão Europeia. Mas Barroso já se demarcou da sua posição. O antigo primeiro-ministro, envolvido no problema da Goldman Sachs, não deixou de dizer, no entanto, que ficou muito sensibilizado com as perguntas que António Costa fez ao seu sucessor em Bruxelas, com uma pequena alfinetada um pouco difícil de entender: lamentou a falta de apoio de António Guterres, que também deveria ter pedido esclarecimentos a Jean-Claude Juncker.

Mas, em Nova Iorque e Lisboa, ninguém mete no mesmo saco o comportamento de Mário David (fundamental na escolha de Barroso para a Comissão, em 2004, quando houve precisamente uma situação de empate político entre o candidato britânico Chris Patten e o candidato francês Guy Verhofstadt, antigo primeiro-ministro belga, permitindo abrir a via para um terceiro nome de conciliação).

Na próxima votação os membros permanentes do Conselho de Segurança vão ter de abrir o jogo. Em Lisboa há também quem lembre que uma candidatura da vice-presidente búlgara da Comissão, que acabasse por vencer todos os obstáculos e chegasse à votação final, haveria sempre a possibilidade de um veto de um dos membros permanentes. De quem? Provavelmente da França, embora o novo ocupante do Foreign Office, Boris Jonhson, já se tenha declarado muito bem impressionado com a performance de António Guterres.

A corrida entra agora na sua fase final. As escolhas políticas vão pesar mais. Para anular as votações do candidato português será, provavelmente, tarde de mais.

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