Jardim nega ter ocultado dívida madeirense e declama poesia aos jornalistas

Ex-chefe do executivo da Madeira foi esta quarta-feira ouvido como arguido no processo Cuba Livre. Jardim optou pelo silêncio na sala de audiências, lendo apenas uma declaração política. Aos jornalistas, declamou em português e latim.

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Jardim perdeu imunidade que lhe assegurava o cargo de conselheiro de Estado Adriano Miranda

O ex-presidente do governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, negou esta quarta-feira, em tribunal, qualquer envolvimento na ocultação de 1,1 mil milhões de euros das contas regionais, dizendo que o “erro” foi detectado e corrigido pelo próprio executivo madeirense que liderava, antes mesmo das autoridades nacionais encontrarem o problema.

Jardim, que foi esta semana constituído arguido no processo Cuba Livre, que investiga as contas do arquipélago entre 2003 e 2010, foi ouvido esta quarta-feira no Tribunal da Comarca do Funchal, pela juíza de instrução, mas optou pelo silêncio na sala de audiências.

Perante a juíza Susana Mão de Ferro, o homem que governou a Madeira durante quase quatro décadas limitou-se a ler uma declaração política, na qual definiu o buraco nas contas madeirenses como um “erro de contabilidade”, insistindo que não só não foi responsável pela falha como que, quando tomou conhecimento dela, deu indicações para que fosse rectificada. “Não existiu dolo”, vincou.

Acompanhado por Guilherme Silva, na qualidade de advogado, Jardim chegou irónico e poético ao Palácio da Justiça. Aos jornalistas que ficaram à porta, pois a sessão foi aberta apenas aos intervenientes no processo, citou Finis Patriae de Guerra Junqueiro. À saída, perante a insistência da comunicação social, respondeu com A Eneida de Virgílio e Os Lusíadas de Camões.

Sobre o processo nada. “Só falo no final disto tudo”, justificou Jardim que, tal como o seu ex-número dois, João Cunha e Silva, não tinha sido constituído arguido neste processo que foi instaurado em 2011 e arquivado três anos depois. O processo foi reaberto depois de dirigentes do agora extinto PND, Gil Canha e Baltasar Aguiar, e o presidente do JPP, Filipe Sousa, terem-se constituído assistentes, indicando Jardim e Cunha e Silva como arguidos e arrolando novas testemunhas, entre as quais os ex-ministros Vítor Gaspar e Eduardo Catroga.

Em causa está a prática dos crimes de abuso de poder, violação de execução orçamental, prevaricação com dolo e na forma tentada, que resultaram, entre 2003 e 2010 na ocultação de 1,1 mil milhões de euros das contas regionais.

A investigação, aberta em Setembro 2011, teve por base alegadas irregularidades na elaboração e execuções dos orçamentos regionais e no reporte dos encargos assumidos e não pagos. Quando o problema foi revelado, a divida pública madeirense disparou para os 6,3 mil milhões de euros, obrigando o Funchal a pedir um resgate financeiro que se prolongou até ao final do ano passado.

Na sequência da investigação foram efectuadas várias diligências na Madeira, sendo a mais mediática o "cerco" que a GNR fez ao edifício da agora extinta Secretaria Regional do Equipamento Social da Madeira, enquanto no interior uma equipa técnica apreendia material informático e documentação.

Além de Alberto João Jardim e João Cunha e Silva, ambos afastados da política activa, já tinham sido constituídos arguidos vários responsáveis do anterior executivo madeirense, como os ex-secretários regionais Luís Santos Costa (Equipamento Social) e Ventura Garcês (Plano e Finanças).

O processo tem nova sessão marcada para dia 29, com a audição, por videoconferência, do perito do Tribunal de Contas que assessorou a equipa do Departamento Central de Investigação e Acção Penal durante as investigações relacionadas com o caso Cuba Livre.

Foi a primeira vez que o ex-líder madeirense foi ouvido na qualidade de arguido, depois de ter perdido a imunidade inerente ao cargo de conselheiro de Estado, que deixou de ser quando saiu da presidência do governo regional. Mas, no próximo dia 3 de Junho, Jardim regressa ao banco dos réus, agora para responder pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa, difamação e injúrias.

Os factos remontam a 1994, quando Jardim visou num artigo de opinião António Loja, um militante do PS-Madeira. Os crimes, no entender da juíza, não prescreveram, pois o período em que gozou da imunidade de conselheiro de Estado não conta para efeitos de prescrição.

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