Imprensa internacional: Portugal é um país a "deslizar para o desconhecido" e ajustamento está a "entrar em colapso"

Demissões de dois pesos-pesados do Governo deixam país em má situação, lê-se na imprensa internacional.

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Imagem da notícia dada pela BBC DR

Para a imprensa estrangeira, as saídas de Vítor Gaspar e de Paulo Portas do Governo português representam a perda de dois “pesos-pesados” do executivo de Pedro Passos Coelho, que é descrito como conservador. Por isso, os jornais antevêem o início de uma crise política com consequências imprevisíveis e que provavelmente levará a eleições antecipadas. Mas também não descartam a abertura de um novo ciclo no país – que passe mais ao lado da austeridade.

O diário espanhol El País descreve o ministro dos Negócios Estrangeiros como um “peso-pesado da política portuguesa”, pelo que a sua demissão, ainda que não tenha sido aceite pelo primeiro-ministro, deixa o executivo “na corda bamba e no meio da incerteza”. O jornal recorda que Paulo Portas é também líder do CDS-PP e, por isso, a figura de uma coligação prestes a desmoronar-se, apesar de Pedro Passos Coelho já ter rejeitado a hipótese de se demitir e de convocar eleições antecipadas.

“Sem a participação dos 24 deputados do partido de Portas, a formação de Passos Coelho fica em minoria perigosa e periclitante. E o país desliza para o desconhecido: é a segunda demissão em 24 horas”, lê-se no jornal, que descreve ainda Vítor Gaspar como o ministro que tinha até agora com “passo firme e punho de ferro” seguido a política de ajustamento acordada com a denominada troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia)”. Por isso mesmo, o jornal alerta que a saída de Gaspar e a consequente crise podem trazer um preço a Portugal nos mercados internacionais e na credibilidade pela ausência de um governo estável.

O El País também explica que, apesar de Passos Coelho estar a tentar manter a coligação a todo o custo, a saída de Portas foi justificada precisamente por não se ter aproveitado a demissão de Vítor Gaspar para dar um novo rumo à pasta das Finanças – que foi entregue à secretária de Estado Maria Luís Albuquerque.

Dias decisivos
Já o El Mundo, outro diário espanhol, destaca que Passos, não só não admite a demissão do número dois do executivo, como também recusa demitir-se e considera os próximos dias “decisivos”. O jornal destaca igualmente que Portas esperava que a saída de Gaspar representasse um momento de viragem nas duras políticas que o país tem seguido em termos de cortes e que com este passo talvez consiga isso.

Mas para o jornal há decisões que estão nas mãos de Cavaco Silva, como uma possível dissolução do Parlamento. Porém, o diário recorda que o Presidente da República também é do PSD e que nos últimos meses, mesmo perante críticas, tem persistido na salvaguarda da estabilidade política. O El Mundo descreve este momento como a “terceira crise ministerial do Governo conservador de Portugal”, recordando a saída de Miguel Relvas em Abril, “no meio de um escândalo por irregularidades na obtenção do seu título universitário”.

A boa imagem de Vítor Gaspar e de Maria Luís Albuquerque
No mundo económico, o Financial Times diz que, apesar de Pedro Passos Coelho querer manter o Governo a dois anos das legislativas, a oposição defende que a única solução passa por eleições antecipadas. E sublinha que o ministro dos Negócios Estrangeiros apresentou a sua demissão menos de 24 horas depois de Vítor Gaspar e horas antes de a sua sucessora na pasta das Finanças ser empossada pelo Presidente da República. O jornal sublinha a boa imagem internacional tanto de Gaspar como de Maria Luís Albuquerque e a determinação de ambos em manter as políticas de austeridade necessárias ao prosseguimento do programa da troika.

“Esta é uma indicação clara de que a rápida degradação das reformas políticas e económicas em Portugal estão a minar a credibilidade do programa de ajustamento do país”, defendeu o analista Nicholas Spiro ao mesmo jornal. E acrescentou: “Politicamente falando, o programa de ajustamento de Portugal está a entrar em colapso.” O Financial Times escreve que pouco depois do anúncio das demissões os juros da dívida portuguesa a dez anos começaram a subir, pelo que o efeito dos mercados pode ser um problema a curto prazo.

“Os acontecimentos dos últimos dois dias estão a aumentar os receios de que Lisboa venha a precisar de ajuda internacional adicional  após o programa de ajustamento”, lê-se no jornal, que antecipa também grandes dificuldades, quando a partir de Setembro começar a estar em cima da mesa o Orçamento do Estado para 2014, ao mesmo tempo que se disputarão as eleições autárquicas.

Turbulência nos mercados
Por seu lado, o Washington Post destaca a “turbulência” dos mercados financeiros perante a apreensão em relação ao futuro da coligação governamental em Portugal e a sua capacidade para dar continuidade às medidas de austeridade acordadas com os credores. O jornal descreve o país como “um dos mais pobres a utilizar o euro”, situação que tem sido agravada pelos cortes e contestada nas ruas.

O Frankfurter Allgemeine Zeitung faz um artigo com o título “Crise no Governo em Portugal” e cita o politólogo António Costa Pinto, que diz que “parece que este é o fim do Governo”. Também o jornal utiliza a expressão “arquitecto das medidas de austeridade” para descrever Vítor Gaspar e refere os constantes protestos feitos pela população, ao mesmo tempo que o país mergulhou na pior crise económica dos últimos 40 anos e quando o desemprego não pára de subir.

Para a cadeia televisiva BBC, a saída de duas figuras emblemáticas do Governo de coligação PSD/CDS-PP pode ser um sinal de que o executivo “não viverá muito mais”, numa altura em que o país vive a sua pior recessão desde a década de 1970 e quando a taxa de desemprego alcançou os 18%. E diz, num artigo que no título afirma que o Governo português está na “penúria” (tradução livre), que, apesar de Passos Coelho querer que Portas recue, tal será muito improvável, já que o primeiro-ministro não aproveitou a oportunidade para arrepiar caminho e deu um “sinal claro de que as actuais políticas económicas vão continuar”.

Cenário português mais “negro”
Segundo a BBC, desde Janeiro que o cenário português se tem tornado mais “negro” perante as instâncias internacionais – o que foi agravado pelos dois chumbos consecutivos de medidas dos orçamentos do Estado para 2012 e para 2013. Refere também que a crise política terá efeitos económicos ainda inestimáveis.

O francês Le Monde diz no título dedicado a Portugal que o país poderá estar a “enfrentar o fracasso da sua política de rigor” e questiona logo no arranque do texto se “será o fim da austeridade a qualquer preço” O jornal considera as decisões do Tribunal Constitucional decisivas para o país ter percebido que não podia ir mais longe na austeridade, mas que apesar disso Pedro Passos Coelho preferiu persistir no caminho traçado.

Quanto às demissões, refere que em termos temporais acontecem a poucas semanas de o país receber uma nova visita da troika para mais uma avaliação e que nos últimos tempos os mercados já têm reagido com juros mais altos. “No imediato, esta instabilidade não tem consequências, já que Lisboa tem asseguradas as suas necessidades de financiamento para 2013 e permanecerá sob o programa de ajuda financeira até meados de 2014. Mas até lá terá de provar que é capaz de se financiar a longo prazo”, lê-se no Le Monde.

Nos Estados Unidos, o New York Times adianta que as duas demissões em dois dias estão relacionadas com divergências em relação às políticas de austeridade e que, embora Paulo Portas não tenha pedido eleições antecipadas, esse será o cenário mais provável num país que tem sido apontado como o “bom aluno” da troika.

“A agitação política no Governo de coligação de Portugal reacende as tensões crescentes em muitos países europeus sobre cortes nas despesas e outras medidas de austeridade que estão a ser responsabilizadas por uma série de recessões e recordes nas taxas de desemprego em países como Grécia, Espanha e Portugal”, escreve o jornal, que recorda que as medidas portuguesas têm sido acompanhadas por sucessivos protestos e greves.

O britânico Guardian refere que os mercados estão a “deslizar” perante a “confusão” sobre o futuro do Governo em Portugal e diz que o país está a ser “arrastado” para uma zona mais profunda da crise na zona euro após as demissões, não se sabendo ainda os efeitos da perda de confiança na estabilidade do país.

O alemão Der Spiegel escreve que a crise se intensificou para o país que representa o P na designação PIIGS, a sigla depreciativa que é utilizada para descrever as economias mais fracas: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (Spain, em inglês). O site da revista alemã coloca a tónica nas divergências entre Passos Coelho e Portas no que diz respeito às políticas de austeridade e salienta que a oposição, sindicatos, empresas e trabalhadores têm exigido que a aposta seja antes no crescimento.
 
 
 

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