Há um despique legislativo entre Bloco e PCP? Eles dizem que não

Bloco e PCP já entregaram mais do dobro das iniciativas legislativas do PS na Assembleia da República desde o início desta sessão legislativa. A maior parte dos temas são convergentes, mas os partidos recusam que haja qualquer marcação cerrada.

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Apesar de terem apresentado muitas propostas sobre o mesmo assunto, Bloco e PCP não têm concertado posições Nuno Ferreira Santos

A ajuda fundamental que o voto contra do PCP deu para o chumbo, na semana passada, do projecto de lei do Bloco sobre a interdição do glifosato em zonas urbanas, de lazer e vias de comunicação, veio cavar um pouco mais a trincheira que se tem construído nos últimos meses entre o PCP e o Bloco de Esquerda. Nunca tendo propriamente trabalhado de forma muito estreita e em conjunto quando eram oposição, os dois partidos mantêm hoje uma relação mais fria do que quando combatiam PSD e CDS no poder. Mas têm feito propostas convergentes em muitos temas, como a saúde, a educação ou os transportes.

Uma consulta à base de dados do Parlamento mostra que, desde o arranque dos trabalhos da Assembleia da República, há sete meses, bloquistas e comunistas entregaram, em média, uma iniciativa legislativa a cada dia útil - 166 os primeiros, 157 os segundos. Já o ritmo do PS tem sido à velocidade de apenas um diploma a cada dois dias e meio (66 diplomas). Um rácio que, comparado com o do primeiro ano da maioria PSD/CDS, mostra uma desaceleração da iniciativa socialista.

Tanto Bloco como PCP recusam a ideia da existência de qualquer despique legislativo. O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, disse ao PÚBLICO que o partido tem um calendário “estabelecido internamente na sequência das legislativas, de reverter todo o mal que a direita fez: rendimentos, educação, saúde e direitos” mas não há aqui “uma lógica de despique e muito menos com o PCP”. “O Bloco não anda a correr atrás de agendas de outros partidos”, assegura Pedro Filipe Soares.

Mas ambos apresentaram propostas sobre a reversão das concessões dos transportes, a construção das mesmas estradas, escolas e hospitais, sobre questões ambientais como as escombreiras de São Pedro da Cova, a Casa do Douro ou os baldios, os limites de alunos por turma, os exames dos alunos do ensino básico e as provas de avaliação dos professores, as 35 horas de trabalho na função pública, o fim das reduções salariais. E a lista continua.

O líder da bancada comunista, João Oliveira, também nega qualquer concorrência e tem uma explicação simples: quando uma bancada marca um assunto, as outras olham para a proposta e, se concordam integralmente, não precisam de apresentar a sua versão. “Se achamos que a solução deve ser outra, ponderamos se é ou não de apresentarmos uma iniciativa para afirmarmos a nossa solução”, resume. “É normal os outros grupos parlamentares acompanharem o tema para que a discussão tenha mais força.”

“Nos nossos critérios de entrega, apresentação ou agendamento de iniciativas próprias, quando ainda ninguém pegou num tema, não temos em conta essa lógica do que os outros fazem”, insiste, acrescentado haver circunstâncias em que anunciam uma proposta e até ela ser entregue nos serviços da Assembleia “outros dão andamento a isso”. Um exemplo é o da renegociação da dívida: em Fevereiro, o Bloco veio a público falar do grupo de trabalho com o Governo e o PS e o PCP apressou-se a anunciar que iria entregar no Parlamento uma iniciativa legislativa.

Sobre a coincidência de propostas, João Oliveira realça que às vezes até podem ser parecidas mas será raro serem iguais – por vezes uma estrada tem uma natureza diferente (em PPP, portajada ou gratuita) mas todos os partidos a querem construir.

Votando a maior parte das vezes da mesma forma por partilharem ideias numa série de questões, Bloco e PCP têm tido, no entanto, momentos em lados opostos da barricada, de que o glifosato foi o último exemplo. Mas isso também já aconteceu, por exemplo, em Abril quando o PCP ajudou a chumbar o voto de condenação do Bloco às detenções de activistas em Angola; ou há uma semana quando votou contra a gestação de substituição.

Pedro Filipe Soares prefere ver a questão pela lente da “dinâmica parlamentar”: a coincidência dos temas decorre dos agendamentos em conferência de líderes e até da agenda mediática. O bloquista defende o “papel identitário muito forte” do partido, exemplificando com os contributos para o Programa Nacional de Reformas, para o sistema financeiro, nas questões dos direitos – o Bloco foi o primeiro a apresentar a proposta para a adopção plena e para a reversão das regras sobre o aborto.

Quando as divergências entre os partidos são pequenas, há sempre a possibilidade de fazer baixar as propostas às respectivas comissões sem votação em plenário, para acertar posições na especialidade. Isso pode ser pedido pelo autor de uma proposta e há uma espécie de acordo de cavalheiros em que ninguém recusa tal pretensão a outra bancada. Podia ter sido essa a solução para evitar a querela entre Bloco e PCP no glifosato. João Oliveira diz que o propôs, mas os bloquistas recusaram. E exemplifica com a proposta comunista sobre a partilha de dados informáticos que o PS avisou que iria chumbar, e com a dúzia de diplomas sobre a transparência. “Nenhuma passaria se fossem votadas.”

Ainda que recuse “picardias”, o líder comunista questiona por que razão o BE, se queria discutir o glifosato, não fez como com a gestação de substituição. “Ou não estavam interessados em encontrar solução e o interesse era outro? Com uma conferência de imprensa a seguir a responsabilizar o PCP é de duvidar. Parece que o problema do Bloco não era efectivamente o glifosato, mas o PCP.”

“Despique? A gente não anda cá a participar em campeonatos desses. Se levássemos 95 anos de vida em despiques com outros… Não deve ser essa a motivação de ninguém e, se for, é uma péssima motivação”, remata o comunista.

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