Governo ensaia defesa do TTIP pela esquerda

Augusto Santos Silva garante que a parceria comercial entre a Europa e os EUA é um “esforço de regulação da economia internacional”. Mas só o PSD e o CDS parecem convencidos a aprovar o acordo com o PS quando ele chegar ao Parlamento para ratificação.

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Foto de arquivo Rui Gaudêncio

O debate “de urgência”, pedido pelos Verdes, não chegou a ser animado. As posições dos partidos são conhecidas, com o PS – confortavelmente, diga-se – a contar com o apoio dos partidos de direita (a favor do TTIP) e a garantir que a oposição anunciada dos seus parceiros de esquerda é “legítima” e as suas críticas são “oportunas”.

De resto, a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla inglesa), que vai na sua 13ª ronda negocial entre a Comissão Europeia e a administração norte-americana, raramente passou, neste debate parlamentar, de um assunto remotamente importante para a vida dos cidadãos. Mesmo que José Luís Ferreira, dos Verdes, tenha iniciado os trabalhos garantindo precisamente o contrário: “Os Verdes agendaram este debate de urgência porque estes tratados são demasiadamente importantes para passarem ao lado dos portugueses e desta Assembleia.”

Para José Luís Ferreira, o tratado representa “um forte instrumento de protecção do interesse das multinacionais” e está a ser negociado com “secretismo” e “falta de transparência”, o que coloca em risco os padrões europeus em matérias laborais, sanitárias, de segurança alimentar e protecção do ambiente, uma vez que os EUA têm legislação mais permissiva nestes domínios. Esta foi, em linha geral, a argumentação seguida pelo PCP, pelo BE e pelo PAN.

Augusto Santos Silva não rejeitou o cepticismo – “Não entendo que criticar o TTIP seja ilegítimo. O histórico mostra que temos de ser muito cautelosos, muito cuidadosos…” – mas garantiu aos deputados que do acordo "não pode resultar nenhuma redução dos níveis de protecção de saúde pública, de protecção ambiental, do cumprimento do princípio da precaução, da segurança alimentar e da legislação laboral em curso na Europa".

Margarida Marques, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, tentou mostrar que há uma boa razão para que a esquerda veja o TTIP com outros olhos: “Existem muito poucos instrumentos de regulação da globalização. Os contratos comerciais são um instrumento de regulação.”

Ao longo do debate, o PSD e o CDS procuraram mostrar que o entendimento entre os partidos de esquerda tem aqui mais um revés político. E que esta discussão mostra como existem duas concepções antagónicas de “progresso”. Nas palavras de Filipe Lobo D’Ávila, do CDS, os partidos pró-TTIP desejam um “País aberto ao mundo”, enquanto os que se lhe opõem defendem um país “fechado sobre si mesmo”. “Quem não precisa do TTIP são as multinacionais e o grande capital”, afirmou o deputado.

Os Verdes pretendiam ainda, com este debate, aprovar uma resolução que garantisse que “o TTIP não entra em vigor sem a respectiva ratificação pela Assembleia da República”. Mas essa garantia chegou por antecipação, e em duplicado. O primeiro-ministro já o havia prometido. Margarida Marques reforçou a garantia, ao afirmar que um tratado deste tipo, “misto”, em que são negociadas matérias de competência comunitária e nacional, tem forçosamente de passar pelo crivo da maioria dos deputados de São Bento. E a deputada socialista Lara Martinho também lembrou que será o Parlamento a ter a última palavra.

Quando (e se) tal vier a ocorrer, porque ainda não é certo que haja acordo entre Bruxelas e Washington, a geografia política da maioria dos deputados portugueses será outra, diferente da habitual. Mesmo que o ministro Santos Silva tenha terminado o debate desta quarta-feira com uma conclusão optimista: “Estamos todos de acordo, é a minha conclusão.”

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