Governo e Marcelo preparados para perder administração da CGD

Seis dos administradores não aceitam mostrar declaração, mas ou ficam todos ou nenhum. Equipa aceita entregar dados à PGR. Recapitalização privada pode ser adiada para Março.

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Miguel Manso

A posição da administração da Caixa está tomada e é irredutível – tendo sido já transmitida ao Governo e ao Presidente da República: se o Tribunal Constitucional (TC) exigir as declarações de património, se não aceitar pelo menos mantê-las todas em sigilo até ao fim do mandato, a equipa de António Domingues demite-se em bloco, apurou o PÚBLICO junto de fonte política. As mesmas fontes admitem que há pouca margem de manobra para que tal não aconteca e, como tal, Governo e Presidente estão preparados para que a administração da Caixa saia mesmo. 

Neste momento, depois de ouvir as pessoas que convidou em Maio e Junho, o presidente da CGD tem uma lista de seis administradores que não aceitarão divulgar os seus rendimentos e património em público. Mas Domingues considera que, se houver essa obrigação, fica ferido de morte o acordo que levou à sua indigitação – e a sua palavra perante as pessoas que levou para o banco.

Há uma semana, depois de uma prolongada ausência no estrangeiro, o Presidente da República tomou uma posição pública sobre a polémica que se arrastava (e já o arrastava também): António Domingues devia apresentar a sua declaração, assim como os seus colegas de administração. Caso contrário, acrescentou Marcelo, a lei devia mudar. O Presidente fê-lo, sabe o PÚBLICO, sem falar antes com Domingues. Chamou-o esta semana, para um encontro que se realizou na quarta-feira e que não deixou o chefe de Estado mais descansado.

Ao Presidente, como ao ministro das Finanças e ao primeiro-ministro, Domingues não precisou de dizer que sairia. Quis, isso sim, explicar a sua posição de princípio, relatando a quem não sabia as três condições que impôs quando foi convidado: garantir uma recapitalização sem "ajuda de Estado" (ou seja, sem que Bruxelas impusesse restrições); libertar a CGD de limites salariais, incluindo os trabalhadores; e dispensar a administração da apresentação de declarações públicas de património. As condições, segundo a informação coincidente entre fontes do Governo e da Caixa, foram aceites por Mário Centeno e Mourinho Félix logo em 20 de Março e estarão registadas por escrito.

Só esse compromisso permitiu a Domingues, confirmou o PÚBLICO, fazer os convites para a sua equipa. Mas só os comunicou ao Banco de Portugal depois de ter sido chamado para uma reunião em São Bento. Foi a 2 de Junho que Costa e Centeno pediram que o processo fosse acelerado, face à saída iminente de José de Matos da CGD. Domingues não o queria fazer antes de o Governo aprovar a retirada da Caixa debaixo da alçada do Estatuto de Gestor Público, mas acedeu face às garantias do primeiro-ministro.

Não foi possível confirmar, face a versões divergentes, se neste encontro a questão das declarações de rendimentos e património foi abordada, mas sim apurar que Domingues remeteu os nomes a 13 de Junho para o banco central. A aprovação do documento pelo Governo ocorreu a 8 de Junho, no Conselho de Ministros da Arrábida, em que o executivo discutiu a questão das declarações de rendimentos — mas em que Centeno e Mourinho Félix não estavam. Mais tarde nesse mês, Domingues esteve também com Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, e deixou claros os mesmos pontos: à CGD não se aplicaria o Estatuto.

Uma janela para uma possível solução 

Face à irredutibilidade de Domingues em voltar atrás, Governo e Presidente olham para as hipóteses de a administração actual ficar como "mínima", sabendo que o TC está a acelerar o processo - e que toda a jusrisprudência avisa que nunca os juizes dispensaram um administrador público desta obrigação. Há quem, nos bastidores, já desafabe que "as coisas são como são", ou quem, no Executivo, admita que se encontrará outra administração para a Caixa, se não houver outra saída para a crise.

No encontro com Domingues, Marcelo fez até questão de lhe deixar um pedido, divulgado na quinta-feira pelo Jornal de Negócios, e que o PÚBLICO confirmou com maior detalhe: que não saísse de funções, pelo menos, até que a parte pública da recapitalização (conversão de obrigações públicas em capital; integração da ParCaixa) estivesse concluída. Quanto à parte privada, que Bruxelas exigiu, estará já adiada para Março - possivelmente com outra administração no banco público.

Neste fase, os serviços jurídicos da Caixa, por sua iniciativa, ainda estão a ultimar uma avaliação sobre os termos em que os administradores da Caixa têm de entregar uma declaração de rendimentos e património ao TC. Ao que o PÚBLICO apurou, o gabinete jurídico do banco está inclinado a admitir que a legislação em vigor obriga à entrega da declaração, mas argumenta que há margem para vedar ao cidadão comum a consulta pública dos documentos que o TC vier a receber, ficando apenas disponíveis para as entidades com interesse legitimo, como o Ministério Público ou a Autoridade Tributária e Aduaneira, por exemplo.

Dos meios políticos, tem chegado à Caixa um aviso sobre o processo: se a ideia for pedir segredo, é preciso fazê-lo já (porque o TC precisa de ter essa indicação quando se reunir para chegar a uma decisão final). E a única maneira de poder haver alguma resposta positiva é que o façam separadamente, um a um, na esperança de que o tribunal abra excepções, por exemplo para os administradores estrangeiros.

O PÚBLICO sabe, no entanto, que a administração da Caixa, individualmente, argumenta que não está obrigada a entregar as declarações no TC, podendo, caso venha a ser obrigada à entrega, usar o pedido de sigilo das mesmas.

Entre estas trocas de informação de bastidores, é possível que seja aberta uma pequena porta para uma possível solução: os administradores entregarem cada um o seu pedido, argumentando que a interpretação da norma legal permite ao TC vedar ao cidadão comum a consulta pública dos documentos que vier a receber, mas deixando a garantia de que estes ficarão disponíveis para todas as entidades com interesse legitimo, incluindo o Ministério Público e a Autoridade Tributária. "É um caminho estreito", admite uma fonte política. Será esse ou a crise na Caixa.

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