Governo e esquerda tentam menos IRS para 1,5 milhões de famílias

BE e PCP pressionaram e as Finanças estão a fazer as contas: baixa do IRS em 2018 deve chegar até ao terceiro escalão, para beneficiar também uma classe média urbana. Se houver dinheiro, só 100 mil ficarão de fora.

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Nuno Ferreira Santos

O Governo está a fazer contas para tentar garantir que o Orçamento do Estado (OE) para 2018 apresente um desagravamento fiscal para os contribuintes do segundo e terceiro escalão do IRS. E é já seguro que vai alterar as regras dos escalões superiores para que estes não beneficiem deste alívio, disse ao PÚBLICO uma fonte governamental. Se as contas baterem certo com a "margem" que Mário Centeno tiver, a medida poderá vir a beneficiar um pouco mais de 1,5 milhões de contribuintes, ficando apenas de fora menos de 100 mil famílias com rendimentos mais elevados.

Neste momento, em cima da mesa do ministro das Finanças está não só o desdobramento do actual segundo escalão em dois – fazendo com que o IRS passe a ter seis escalões –, mas também um desagravamento para os contribuintes do actual terceiro escalão. Como o IRS é um imposto progressivo, estas alterações, com tudo o resto constante, acabariam também por beneficiar os contribuintes de rendimentos mais elevados e que se encontram no quarto e quinto escalão do IRS. Para eliminar este efeito, o Governo está a trabalhar em dois cenários: ou limitar ainda mais as deduções fiscais permitidas para estes rendimentos; ou mexer nos limites quantitativos de cada um destes escalões. O objectivo é sempre o mesmo: eliminar o benefício que os rendimentos mais altos teriam por via do desagravamento dos escalões mais baixos. De fora dos planos do Governo está qualquer mexida nas taxas de imposto porque isso criaria um efeito político indesejado de percepção por parte dos contribuintes de que teriam um aumento de impostos.

A concretizarem-se estas medidas, haverá mais de 1,5 milhões de famílias beneficiadas. Segundo as estatísticas de 2014 relativos à sobretaxa de IRS, no segundo escalão, com rendimentos colectável entre 7000 e 20.000 euros havia 1.158.540 agregados e no terceiro escalão, entre 20.000 e 40.000 euros havia 364.541 famílias. Estes escalões de rendimento, apesar de não serem exactamente iguais aos previstos nas taxas gerais de imposto, permitem chegar a um valor muito aproximado dos potenciais beneficiados pelo desagravamento.

Já as alterações que o Governo vier a introduzir nos restantes escalões para que não possam beneficiar do desagravamento fiscal, apenas afectarão cerca de 92 mil famílias, o número de agregados que, segundo as mesmas estatísticas de 2014, se encontram com rendimentos acima dos 40.000 euros.

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A preocupação do Governo em relação a este assunto resulta não só da pressão dos seus parceiros de apoio parlamentar, mas também das vozes que se têm insurgido contra este desagravamento. O fiscalista Manuel Faustino, por exemplo, disse na última semana à Lusa que o desdobramento do segundo escalão do IRS beneficia os contribuintes do novo escalão, mas também todos os que estiverem nos níveis superiores “até ao final da montanha”.

As preocupações das Finanças levam também em linha de conta o efeito redistributivo que estas alterações podem vir a ter. É que apesar do enorme aumento de impostos aprovado em 2012 pelo então ministro das Finanças Vítor Gaspar, essas medidas acabaram por impedir um aumento das desigualdades. Segundo o trabalho “Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal” publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, “o agravamento da desigualdade seria certamente mais pronunciado se não tivesse sido acompanhado por um significativo aumento dos impostos directos e da sua eficiência redistributiva”. E o aumento de impostos referido é, no essencial, o anunciado por Vítor Gaspar em 2012: a criação de uma sobretaxa de IRS de 4% para todos os contribuintes (depois acabaria por ser fixada em 3,5%); e a diminuição dos escalões do IRS para apenas cinco.

O “enorme aumento de impostos” ajudou a contrariar a desigualdade porque em Portugal, tal como é referido no estudo da Fundação, “70% do IRS incide sobre o último decil da distribuição de rendimento”, ou seja, nos rendimentos mais altos, e “uma larga proporção da população não paga impostos directos”. Logo, “o aumento da carga fiscal gera necessariamente efeitos equalizadores que atenuam ou mesmo contrariam o agravamento das desigualdades geradas no mercado”.

Assim, ao desdobrar o segundo escalão de IRS em dois e ao desagravar o terceiro escalão sem precaver o efeito nos escalões mais elevados, o Governo poderia estar a aumentar desigualdades, até porque em 2018 acabará, na totalidade, a sobretaxa de IRS que tributava os rendimentos mais elevados.

Objectivo: eleitorado urbano

É para isto que Bloco e PCP têm pressionado António Costa a colocar mais verbas no Orçamento para a prometida descida do IRS: “Se fosse apenas para melhorar a situação dos trabalhadores do segundo escalão, os 200 milhões de euros que estão previstos no Programa de Estabilidade chegavam”, anota uma fonte socialista, conhecedora das negociações preliminares.

Mas do ponto de vista político, isso era visto como insuficiente, acrescenta a mesma fonte. Não tanto pelo universo, mas pelos efeitos simbólicos: “O Bloco e o PCP querem que a medida seja sentida por uma classe média, com um pouco mais de rendimentos também, que apanha mais pessoas de zonas urbanas como Lisboa e Porto”. É, portanto, uma questão de percepção pública da medida e da sua abrangência. “Claro que no PS todos estão de acordo com isso”, acrescenta a mesma fonte.

A verdade é que apenas um desdobramento, como estava inicialmente previsto, do segundo escalão do IRS já causava impacto: “É só um escalão, mas envolve 50% dos portugueses que pagam impostos (tendo em conta que há 3 milhões isentos de impostos) e quase 20% da população”, anota a fonte socialista.

O que falta, neste momento, é que o ministro das Finanças entregue um número aos parceiros desta maioria – claro, acima dos tais 200 milhões. O Bloco tem pedido rapidez e colocou uma fasquia: 600 milhões. Todos sabem que Centeno não chegará a tanto, até porque o Governo argumenta que já está a perder 180 milhões de euros com o fim da sobretaxa, mas os últimos contactos entre Governo e os partidos deixaram adivinhar pela primeira vez uma predisposição para um encontro a meio caminho. “Já houve uma troca de informações e de sensibilidades”, disse o responsável pelas Finanças na sexta-feira, “e vamos ver agora como adoptar medidas que dêem corpo a esse desejo”. À esquerda, apanhou-se um sinal daquele discurso: Centeno só se referiu aos objectivos “bem delineados no programa de Governo e nos compromissos assinados”, sem falar da base que inscreveu no Programa de Estabilidade.

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