Governar é tomar medidas artificiais

O interesse público da criação de condições de vida decentes e dignas para todos deve guiar qualquer Governo.

Num momento em que o desemprego baixa para níveis que não eram atingidos desde 2010 e regressa à barreira dos 10%, várias medidas estão em curso ou em vias de serem lançadas pelo Governo com o objectivo de aumentar os postos de trabalho reais e de melhorar a segurança do emprego.

Estas vão do avanço da integração dos trabalhadores precários na administração pública ao programa de concursos para estágios subsidiados pelo Estado, passando pela preparação do lançamento do contrato-geração, que permitirá que trabalhadores com mais anos de serviço possam entrar num regime de reforma parcial e trabalho em part-time, se as empresas se comprometerem a empregar um jovem desempregado.

Dirão muitos — e é a mais absoluta verdade — que se trata de medidas artificiais para a criação de emprego. Alguns considerarão mesmo que representam um estatismo abusivo e uma excessiva intervenção do Governo no sentido de regulamentar e agir sobre o mercado de trabalho. Isto numa época em que os vínculos laborais estão em mutação acelerada e em que o conceito de “trabalho para a vida” foi substituído pela volatilidade das carreiras profissionais. Mais: é previsível até que, no prazo de uma década ou duas, a própria definição dos conceitos de trabalho e de emprego se alterem substancialmente.

É uma verdade de La Palice que as medidas em curso são artificiais e que consubstanciam uma intervenção do Estado para influenciar os números das estatísticas, para além de agirem sobre a dinâmica da economia. Mas será isso errado? Não é toda a acção governativa feita de medidas artificiais? Será que o Estado não deve ter este papel de regulador e procurar influenciar a criação de emprego? Será que o Estado só pode aprovar medidas de apoio às empresas, desde programas de investimento até benefícios fiscais, para dinamizar a economia, como as medidas do programa Capitalizar esta semana aprovadas em Conselho de Ministros? Não será tão artificial apostar na criação de empregos como o é o apoio às empresas? Não deve o Estado procurar resolver o problema individual das pessoas e procurar atalhar o drama humano que é para cada indivíduo o desemprego?

Acredito que sim, até porque, se o trabalho está em mutação, Portugal vive no presente e, hoje, é manifesto o atraso social nas relações laborais no país. Ninguém sabe o que está reservado neste domínio ao virar da esquina da história futura, mas qual a alternativa para a acção do Governo? Aumentar os custos com o subsídio de desemprego? Deixar as pessoas no desemprego sem as tentar integrar? Considero mesmo que uma das áreas em que este Governo se tem diferenciado e mostrado uma preocupação social mais acentuada é precisamente pela aposta neste domínio.

Claro que o crescimento da economia é vital para a sociedade portuguesa e são um sinal positivo os dados que o Instituto Nacional de Estatística divulgou esta semana. Mas é importante que o Governo não fique à espera de que a economia cresça e que os problemas do mercado de trabalho se resolvam por si. Até porque a experiência anterior não tem sido auspiciosa no que se refere à capacidade de os empregadores estarem atentos ao drama humano dos desempregados. O interesse público da criação de condições de vida decentes e dignas para todos deve guiar qualquer Governo.

É evidente que estas medidas, por si só, não chegam e que se houver de novo uma crise orçamental e financeira como a de 2011, o desemprego voltará a disparar. Mas a mesma premissa é verdadeira para todos os aspectos da economia e, por maioria de razão, para o crescimento do PIB. Se não houver consolidação dos resultados e se as medidas em curso não tiverem a devida e necessária resposta das empresas e do mercado, de nada valerá o esforço feito.

Quando e se a crise voltar a rebentar, ela implodirá todos os números fantásticos que agora parecem deslumbrar um país que, de início, olhou desconfiado para as soluções e as apostas do actual Governo. Mas isso não invalida que seja uma boa aposta a tentativa de garantir aquele que é ainda o factor primordial de integração social: o trabalho.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários