"Geringonça": Eurico Brilhante Dias era contra, Tiago Antunes escrevia nela

O novo governante com a pasta da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, dizia que um Governo PS tinha um “evidente” problema de legitimidade política. Agora está nele. Já o novo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros escrevia no blogue Geringonça. Agora está nela.

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Eurico Brilhante Dias é o nome escolhido para a pasta da Internacionalização Enric Vives-Rubio

No início, era a desconfiança. Muitos no país não acreditavam que fosse possível um Governo PS com o apoio das esquerdas. E muitos outros estavam contra. Mesmo socialistas. Entre eles, o eterno segurista Eurico Brilhante Dias. Apesar de recentemente já ter vindo dizer que a inédita solução governativa superou as expectativas, na altura em que Portugal assistia à formação da “geringonça”, o socialista defendia que tal engenho não tinha legitimidade política. Agora não só mudou de ideias, como vai mesmo fazer parte do executivo, assumindo a Secretaria de Estado da Internacionalização.

Em Outubro de 2015, andava o país num alvoroço, com a reviravolta no xadrez político trazida pelas últimas eleições legislativas, quando o socialista Eurico Brilhante Dias dizia, na SIC, discordar de um Governo à esquerda liderado pelo PS. Disse que teria um “evidente” problema de legitimidade política; que seria “perfeitamente nefasto para o país” e para o PS; que “quem perde as eleições deve ir para a oposição”; que era “politicamente pouco sustentável”; que era “um Governo que começa politicamente fragilizado”; e que “o mais razoável” era a coligação de direita, quem tem “essa obrigação”, e o PS chegarem “a um entendimento para que o país tenha um Governo estável da entidade que ganhou as eleições”.

Só que o tempo passou, a solução governativa funcionou, e Eurico Brilhante Dias ponderou: “Este Governo superou claramente as expectativas e as minhas expectativas em particular.” Disse-o numa entrevista ao Diário de Notícias a 27 de Maio, embora antes desta data já fosse visível essa aproximação ao primeiro-ministro, António Costa. Naquela entrevista, reconhecia que a solução funcionava e que, em momentos “decisivos”, o Bloco de Esquerda, o PCP e o Partido Ecologista Os Verdes “votaram e suportaram instrumentos de Governo e de política governativa que foram essenciais para sustentar a trajectória governativa”.

Já em 2015, Eurico Brilhante Dias viu as suas próprias declarações fugirem-lhe e ziguezaguearem pelo partido, o que o obrigou a esclarecer o que tinha, afinal, querido dizer. Primeiro: “Disse o que todos sabiam – e que não era novidade – que tinha apoiado [António José] Seguro e que, por isso, era evidente que teria preferido a candidatura dele a primeiro-ministro”. Segundo: “Disse também que a democracia tinha funcionado, António Costa tinha ganho, que inclusive estava a fazer campanha e que o país precisa de outro Governo e que estamos todos empenhados nesta tarefa”. O então candidato a deputado garantia: “Hoje lá continuarei a fazer campanha. A trabalhar para a vitória do PS e para fazer do António Costa primeiro-ministro”.

Mas nunca retirou uma palavra à gratidão que tem por Seguro: “É evidente que a minha notoriedade pública e política surge quando entrei para o secretariado liderado por António José Seguro em 2011. É normal que, até pela minha forte participação na campanha das primárias, me associem ao segurismo. Agora, o partido tem mais vida para além do debate das primárias e hoje tem uma incumbência fundamental que é governar o país. Essa é a nossa primeira prioridade. Mas devo ser sincero: na lógica de que apoiei António José Seguro e tenho por ele não só amizade como elevada admiração. Nessa dimensão serei sempre segurista”, disse ao Sol no ano passado.

Que título poria, sr. secretário de Estado?

Já o novo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes, sempre defendeu um Governo de esquerdas. É, aliás, um dos autores do blogue que se chama mesmo Geringonça e que é assumidamente de esquerda: “A 'geringonça' governativa nasceu após várias esquerdas concordarem que seria melhor mudar do que manter uma solução de Governo demissionária face ao futuro do país. Assim se fez e continua a fazer história na democracia portuguesa. O novo espaço político gerado por este compromisso parlamentar deve continuar a ser aprofundado. Deve até ser celebrado. Daí esta Geringonça digital”, lê-se. Ou seja, “é um exercício colectivo de opinião à esquerda e informação às direitas”.

Se dúvidas houvesse em relação ao grau de (des)conforto do Governo com a palavra “geringonça”, mesmo depois de o próprio primeiro-ministro ter oferecido geringonças à equipa no Natal, a actividade de Tiago Antunes na blogosfera vem deixar tudo em pratos ainda mais limpos.

Nos textos que escreve, confirma-se algum sentido de humor na escolha dos títulos. Exemplos: “Da não Assunção de responsabilidades”, sobre a entrevista da líder centrista ao PÚBLICO, na qual Assunção Cristas admite que deu o OK à resolução do BES quando estava de férias e confiando no que estava a ser feito.

Outro exemplo, agora com a mira apontada ao líder social-democrata Passos Coelho: “Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais incoerente do que eu?” Muitos dos textos do futuro governante são ataques à direita, pontuados por sarcasmo: “Teresa Leal Coelho deu a sua primeira entrevista como candidata a Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. A dita entrevista teve tanto conteúdo que o Observador conseguiu sumariá-la em 25 tweets”, lê-se.

Outro excerto do mesmo texto sobre a entrevista da candidata do PSD à Câmara Municipal de Lisboa: “Noutros tweets, Teresa Leal Coelho – que confessa ‘não andar de autocarro em Lisboa há dois anos e meio’ – pretende concessionar a Carris a privados. Portanto, estamos perante alguém que não faz ideia de como funcionavam antes, nem como funcionam agora os transportes públicos em Lisboa. Mas isso não a impede de mandar bitaites e sugerir a privatização da Carris. Por puro preconceito ideológico, está bem de se ver.”

Voltando a Passos Coelho, e num texto de Março intitulado Cada tiro, cada melro, Tiago Antunes até exercita o alemão: “Contra todas as evidências, o (ainda) líder do PSD continua a acreditar que o diabo vem aí. Embora sem ousar mencionar aquele-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado, Passos Coelho anda à espreita do belzebu, quiçá murmurando entre dentes: 'Teufel, bitte kommen Sie schnell!'" Ou, em português: "Diabo, por favor, venha depressa".

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