Comunistas europeus vêem na geringonça um "modelo interessante"

O apoio do PCP à solução governativa encontrada por António Costa não merece as críticas dos outros comunistas com assento no Parlamento Europeu. Muito pelo contrário.

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Como os comunistas em Bruxelas olham para a geringonça AFP/PATRICK HERTZOG

Os partidos comunistas e esquerdistas na Europa olham para a “geringonça” como uma “experiência interessante”. Mas o modelo português de acordos à esquerda permanece raro no panorama político europeu e está ainda longe de se concretizar noutros estados-membros ou até no Parlamento Europeu.

Apesar de alguns sinais tímidos de uma vontade de aproximação entre forças à esquerda, as diferenças entre os partidos socialistas e sociais-democratas pró-Europeus e os partidos comunistas e radicais de esquerda anti-UE são ainda profundas.

Neste contexto, os acordos parlamentares em Portugal suscitam curiosidade e atenção de comunistas e esquerdistas na Europa. A “solução portuguesa” pode servir de modelo? “Tudo depende das políticas. Valorizamos, se for para fazer políticas de esquerda como aumentar as reformas ou o salário mínimo, ou parar as privatizações”, diz ao PÚBLICO a eurodeputada espanhola Marina Albiol, do Comité Federal do PCE.

“Não há um modelo, mas é uma experiência interessante”, afirma o comunista francês Patrick Le Hyaric. “A posição do PCP e do Bloco é responsável. Agiram pensando no seu país”, acredita o eurodeputado que é também director do jornal L’Humanité, que foi órgão oficial do PCF, e vice presidente do GUE, o grupo da Esquerda Unitária no Parlamento Europeu.

Marina Albiol gostaria que em Espanha tivesse funcionado a fórmula de governo ensaiada por António Costa. A eurodeputada lembra que ainda houve uma aproximação entre socialistas e forças à esquerda para um pacto idêntico ao alcançado em Lisboa, mas não foi possível. “O PSOE preferiu dar a governação ao PP”, diz Albiol.

Grécia não é Portugal

Na Grécia, os socialistas do Pasok ficaram fora do Governo. “O Syriza entende alargar a sua coligação às forças democráticas e progressistas”, garante Dimitrios Papadimoulis, líder da delegação do Syriza e vice presidente do Parlamento Europeu. “Até agora, o Pasok tem sido contra a transformação política e social apresentada pelo Syriza”, afirma Papadimoulis, que acusa o partido socialista grego de preferir as “políticas neoliberais”.

Mas, à esquerda, não é só o Pasok que está desalinhado em relação ao Governo de Tsipras. O Partido Comunista da Grécia (KKE), um dos mais radicais e influentes da Europa ocidental, sobretudo junto dos sindicatos, não quer nada com o Syriza. De resto, os dois deputados do KKE no PE decidiram não integrar o GUE que inclui os camaradas comunistas, optando por ir para os Não-Inscritos ao lado de deputados de extrema-direita.

Ao invés, Patrick Le Hyaric considera importante juntar as esquerdas. Mas, diz, “a união só pode fazer-se com uma base programática” e com “um duplo objectivo de acabar com a austeridade e defender a socialização das riquezas para distribuir por todos”.

Ao contrário do PCP, o contributo dos comunistas franceses para a formação de maiorias de esquerda tem décadas. Na altura da Frente Popular, o PCF apoiou o Governo socialista sem participar directamente. Depois integrou o Governo presidido por François Mitterrand recém-eleito. E, mais recentemente, participou na experiência da chamada “Esquerda Plural” de Lionel Jospin. Le Hyaric garante que a influência dos comunistas fez-se sentir, mas reconhece que não conseguiram “impedir as liberalizações de sectores importantes da economia nem lutar contra o capitalismo financeiro”.

Mas o Partido Comunista Francês vive uma outra amargura: apesar de ter sido durante décadas um dos mais ortodoxos da Europa, alcançando votações muito expressivas, acima dos 20%, tem perdido peso eleitoral. De tal forma que integra a plataforma Front de Gauche com outros movimentos para não perder visibilidade.

Juntos em Bruxelas? Só às vezes

Quem passa pelos corredores onde estão instalados os gabinetes dos deputados comunistas e dos partidos de esquerda radical no Parlamento Europeu, em Bruxelas, depara-se rapidamente com a iconografia do comunismo e dos combates actuais dos partidos esquerdistas pelas paredes.

É a zona mais colorida do PE. Há cartazes por todo o lado com múltiplas palavras de ordem em várias línguas. As causas são inúmeras: contra o militarismo e a NATO, a austeridade, os acordos de comércio livre ou a violência sexista. Ou então a favor dos refugiados, da Grécia, do aborto, de Cuba ou da Europa feminista. Há posters de Marx, Che Guevara, Chávez, Tsipras, e bandeiras do Syriza e do Die Linke.

Aos eurodeputados do PCP e do Bloco que integram o GUE (grupo da Esquerda Unitária/Esquerda Verde Nórdica) devem-se os posters sobre o 25 de Abril e a aliança Povo/MFA do tempo das campanhas de Dinamização Cultural.

As paredes do GUE confirmam que é o cimento das causas que une os 52 eurodeputados deste grupo. São o quinto maior grupo do PE e formam uma bancada heterogénea que junta partidos comunistas, esquerdistas e ecologistas radicais, de 14 países da UE.

Um facto curioso: com excepção da República Checa só os países do Sul da Europa elegeram deputados de partidos comunistas: Portugal, Espanha, Chipre, França, Grécia (o KKE não integra o GUE).

Algumas das causas do GUE coincidem com as do grupo socialista e do grupo dos verdes. Mas segundo a Votewatch, a organização não-governamental que monitoriza os votos nas instituições da UE, os socialistas e o GUE estiveram juntos em apenas 57% das votações nos dois primeiros anos da legislatura.

Votaram lado a lado em questões sociais, liberdades cívicas e algumas causas “fracturantes”. Mas nas restantes políticas europeias de fundo, os alicerces em que assenta o edifício da UE – política económica, orçamental, comercial, euro, tratados – estão em lados opostos.

Então, não é uma incoerência os comunistas apoiarem em Portugal um governo socialista pró-UE que reduz o défice, cumpre o Pacto de Estabilidade e defende o euro? Marina Albiol diz que “não se trata de formar parte do governo, mas de apoiar políticas favoráveis aos trabalhadores”. Estará o comunismo a mudar? Para Le Hyaric, cada país e cada força política tem a sua história. O francês garante que os comunistas são responsáveis e que “o mundo muda e o movimento comunista evolui com o mundo”.

O projecto europeu continua a ser a fronteira que separa as esquerdas. Mas Dimitrios Papadimoulis mostra-se optimista, considera que há “espaço para uma colaboração” e dá o exemplo do “Progressive Caucus” um fórum de debate que junta eurodeputados dos grupos socialistas, da esquerda unitária e dos verdes. Um fórum que serve para discutir causas. Mas não projectos ou programas políticos.

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