Marcelo pede realismo ao Governo e humildade à oposição

Presidente elogia “estabilidade adquirida” e afasta clima de “campanha eleitoral”, num discurso mais aplaudido pela esquerda que pela direita. E insistiu no apelo aos consensos: “Unamo-nos no essencial”.

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Enric Vives-Rubio
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Com um cravo na mão para que não se esquecesse “do muito que está por fazer”, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu-se neste 25 de Abril como o garante da “estabilidade adquirida” e o promotor dos consensos para além dos “dois caminhos alternativos da governação”. “Unamo-nos no essencial”, sem negar “a riqueza do confronto democrático, em que Governos aplicam as suas ideias e oposições robustecem as suas alternativas”, disse na sessão solene das comemorações da Revolução dos Cravos, a primeira da nova conjuntura política. Um discurso mais aplaudido pela esquerda do que pela direita e que o primeiro-ministro considerou mais tarde “justo relativamente ao passado e mobilizador sobre o futuro”.

Neste primeiro discurso no Parlamento depois da posse – cuja primeira versão foi escrita logo nos dias seguintes -, o Presidente da República focou-se na actual situação política, com recados claros: “Portugal não pode nem deve continuar a viver sistematicamente em campanha eleitoral”. Antes “exige estabilidade política, crucial para a estabilidade económica e social. O estar adquirida, finalmente, essa estabilidade é um sinal de pacificação democrática que deve reconfortar os portugueses”.

O Presidente pôs o dedo na ferida do seu próprio partido de origem e o líder do PSD ressentiu-se. Passos Coelho nem uma vez aplaudiu o discurso do chefe de Estado a não ser no fim. Muito menos quando Marcelo foi directo: “Quem se pretenda alternativa, de um lado ou de outro, demonstre em permanência a humildade e a competência para tanto.”

Mas também deixou recados claros ao Governo: “Estes tempos não são fáceis”. Nem “na incerteza quanto ao crescimento” nem “na evolução económica recente”, que exige “permanente atenção às previsões e seus reflexos financeiros”. É preferível, avisa, “a rectificação de perspectivas” do que “a negação dos factos”.

Marcelo, já se sabe, prefere o optimismo e considera que há temas que são eles próprios objectivos nacionais e já contam com “amplo acordo” – pertença europeia, defesa do Estado Social de Direito, combate às desigualdades, sobreposição do poder político ao económico. Mas sublinha a existência de dois modelos de governação, “com lideranças e propostas próprias”.

“Quer isto dizer que vamos prosseguir em clima de campanha eleitoral? Ou que os consensos sectoriais de regime são impossíveis? Ou que a unidade essencial entre os portugueses é questionada pelas duas distintas propostas de Governo?”, questionou, logo respondendo que "não". Para os portugueses e “em particular para o Presidente da República”, cujo mandato, sublinhou, “é por sua natureza mais longo e mais sufragado do que os mandatos partidários. E não depende de eleições intercalares”. De uma assentada lembrou que só ele está no lugar por cinco anos, todos os outros líderes terão de enfrentar eleições antes.

Prosseguiu então com as respostas às suas próprias perguntas. “O estimulante pluralismo político não impede consensos sectoriais de regime. Alguns dos quais não precisam sequer de formalização para se irem afirmando diariamente”, afirmou, exemplificando com a Saúde, de que tem falado como primeiro passo para consensos noutros domínios, entre eles a Segurança Social, tão desejada pela direita.

Claro que continua a haver opiniões diferentes, afirmou Marcelo: “Para uns, a governação actual é promissora. Para outros, um logro”. Mas para todos, afirma, existe uma certeza: “Mais instabilidade, mais insegurança, não abre caminhos, fecha horizontes”. Portanto, não contem com ele para qualquer crise política precoce.

Se todo o discurso foi no sentido do apelo ao consenso e da recusa da instabilidade, valores antes igualmente defendidos pelo seu antecessor no cargo, nem por isso Cavaco Silva aplaudiu Marcelo Rebelo de Sousa. Nem no fim, como fez Passos Coelho.

Esquerda suave, direita amarga

Se os apelos aos consensos pareciam directos para o PSD, o líder da bancada sacudiu responsabilidades. “Não recebemos lições de ninguém sobre consensos”, disse Luís Montenegro, no final da sessão, recordando que desde o anterior Governo o partido pediu esses entendimentos – nomeadamente na Segurança Social - e não conseguiu. Este ponto foi também focado pelo porta-voz do CDS-PP, João Almeida, que viu no discurso presidencial uma leitura histórica “abrangente” em que o partido “se revê”.

Montenegro considerou que o discurso do Presidente transmite “uma visão realista da situação do país”, em que reconheceu a existência de “dois projectos alternativos” para o país.

Pelo PS, o líder parlamentar Carlos César leu nas palavras de Marcelo “um aviso muito sério para os que persistindo numa oposição sem critério, recusam os consensos essenciais”. "No essencial, o 25 de Abril representa a capacidade de nos sabermos unir naquilo que for essencial e de divergirmos com a cordialidade e a ética que a democracia e a liberdade nos sugerem ", reagiu. Para Carlos César, o PSD está a fazer um caminho de aproximação a esses valores caraterísticos do normal convívio democrático "demasiado devagar, como se percebeu, aliás, de forma implícita, do conteúdo do discurso do senhor Presidente da República".

O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, preferiu assinalar a “diferença” do discurso do chefe de Estado face ao seu antecessor, Cavaco Silva, sem lançar críticas ao actual Presidente como habitualmente acontecia com o anterior. Relativamente aos consensos, Jerónimo de Sousa considerou que são necessários “sempre que forem positivos para o país”. O que é necessário, sublinhou, é uma “política alternativa”. “Ainda agora começámos”, concluiu.

Também sem críticas para Marcelo, a coordenadora do BE, Catarina Martins, quis salientar o ponto em que o Presidente exultou o 25 de Abril como sendo de celebração, sem esquecer que muitas pessoas continuam excluídas. A líder bloquista referiu ainda as insuficiências da democracia quando se aceitam as “imposições europeias”, negando que isso signifique a defesa de “ideais nacionalistas”.

A mesma ideia de rejeição às “ingerências” de Bruxelas foi sublinhada por Heloísa Apolónia, deputada d'Os Verdes, salientando que foi partilhada por várias forças políticas, sinal de que a a União Europeia “está num elitismo absoluto”.

"Procuremos falar a uma só voz"

Antes de Marcelo, também o presidente da Assembleia da República fez um pedido de união: "Faz-nos bem revisitar o espírito constitucional de 75-76", aquele em foi possível encontrar "valores que unem os portugueses e que por isso tiveram tradução constitucional".

"Debatamos tudo, mas tentemos nunca perder de vista as mudanças que precisamos de fazer para devolver esperança a Portugal", apelou Ferro Rodrigues. "Debatamos tudo, mas procuremos depois falar a uma só voz na Europa, em nome da Europa que queremos: uma Europa mais centrada na solidariedade social do que nas décimas das finanças públicas", afirmou.

Coube a Ferro Rodrigues saudar o regresso dos capitães de Abril às comemorações oficiais, ausentes desde 2011: “Que bom é ver-vos de volta a esta que é também a vossa casa: a Casa da Democracia”.

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