Falta de dois deputados do PS chumba conclusões do relatório final do inquérito à CGD

Incidente levou a que relatório não fosse aprovado. BE e PCP tinham dúvidas sobre o que foi apurado pela comissão.

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Emídio Guerreiro foi o presidente da primeira comissão da CGD, sobre a recapitalização e gestão do banco público João Silva

Foi uma jogada processual preparada pelo PSD com memória de outras comissões de inquérito: só depois da primeira votação de boa parte do relatório final sobre a gestão da Caixa Geral de Depósitos – incluindo as conclusões – é que os sociais-democratas lembram que a votação é nominal, e não por representação de bancada. Faltavam dois deputados efectivos no PS, o que levou a um empate – ficaram sete da esquerda, sete da direita – e logo ao chumbo do documento. Só cinco recomendações do relatório foram aprovadas.

Logo no início da reunião, o PSD abdicou de intervir, depois de já ter lançado, horas antes, em conferência de imprensa, duras críticas à forma como PS, BE e PCP se comportaram na comissão ao encerrarem os trabalhos sem esperarem por uma decisão definitiva dos tribunais sobre acesso a documentação pedida pelo Parlamento. No mesmo momento, antes da votação e já depois da apresentação do relatório final elaborado por Carlos Pereira (PS), o deputado do CDS, João Almeida, também se conteve nos comentários. Tudo apontaria para que o texto fosse aprovado pela maioria de esquerda, apesar das dúvidas tímidas de BE e PCP. Mas não foi.

O coordenador do PSD na comissão, Hugo Soares, alertou para o erro na votação da primeira parte do relatório e que incluía a conclusão de que não se encontraram pressões por parte do Governo socialista à gestão da CGD para concessão de crédito de risco. Recordou que a lei das comissões de inquérito estabelece que o relatório final é votado por cada membro e não por bancada.

Os socialistas nem queriam acreditar. Faltavam dois efectivos na sala, João Galamba e Susana Amador, o que deixava a esquerda em minoria no número de deputados face aos do PSD e CDS. Os dois deputados ausentes chegariam minutos mais tarde, assim como acorreu à sala um suplente (Luís Testa), mas que já não podia participar na votação. Como só é possível repetir a votação com os mesmos elementos que estavam presentes na original, gerou-se confusão na sala, com assessores ao telefone e os deputados da esquerda sem uma solução à mão.

O presidente da comissão, Emídio Guerreiro (PSD), acabou por conceder um intervalo de alguns minutos e as conversações sobre uma saída para o imbróglio continuaram nos corredores junto à sala onde decorreu a reunião. Ainda foi levantada a possibilidade de se recorrer para plenário, mas não houve consenso à esquerda. No grupo parlamentar do PSD – que fez estar presente todos os seus efectivos e mais alguns suplentes – era indisfarçável a satisfação pelo embaraço causado. Muitos risos no PSD, caras fechadas no PS.

Longos minutos depois, os deputados voltaram à sala e, já com a bancada composta no PS, aprovaram cinco recomendações que faziam parte do relatório, com os votos contra do PSD em todas elas por discordar do relatório na sua globalidade, e a abstenção do CDS. Entre as recomendações está a manutenção da CGD nas mãos do Estado, a adopção de práticas mais conservadoras, a introdução de mecanismos sistemáticos de diálogo com a tutela para evitar decisões casuísticas, alteração do quadro legal para que a Inspecção-Geral de Finanças tenha acesso à informação relevante de entidades financeiras e a revisão do regime das comissões parlamentares de inquérito para assegurar o efectivo proveito da iniciativa.

Tanto o deputado do PCP como o do BE deixaram as suas dúvidas sobre as conclusões da comissão, em declaração de voto e oralmente. O comunista Miguel Tiago não se identifica “nem com o tom nem com a forma como muitos dos acontecimentos são relatados”. “Há um relato fiel daquilo que foi possível a comissão de inquérito apurar”, disse, justificando o não acesso a documentação com o facto de a CGD ser um banco em funcionamento, ao contrário de outros casos já investigados pelo Parlamento. “Dizer que simplesmente não houve pressões, não temos elementos que permitam negar”, rematou o deputado ainda antes das votações.

Moisés Ferreira, do BE, também deixou claro que existiram actos de gestão cuja motivação não é entendível à luz do interesse público e do interesse do banco público, exemplificando com a exposição da Caixa a “negócios de risco” e a concessão de créditos com “garantias insuficientes e destinados a actividades meramente especulativas”. O BE também considera que “existiram actos de interferência e decisão política que trouxeram prejuízo operacional ao grupo Caixa”.

Já o CDS e o PSD arrasaram o relatório e o comportamento das bancadas da esquerda. “O relatório é uma farsa”, apontou João Almeida. Hugo Soares chamou-lhe um “simulacro de relatório”

Pelo PS, o coordenador da bancada reiterou o entendimento de que a votação do relatório final é por bancada, e não por membro. Mas a comissão encerrou esta terça-feira os seus trabalhos e não está prevista mais nenhuma diligência para alterar o resultado final.

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