Estados como Portugal “deviam poder assumir dívidas”

O diplomata do German Marshall Fund dá indicações à Europa para lidar com os EUA pós-eleição de Donald Trump.

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O PÚBLICO entrevistou Peter Chase em Bruxelas Daniel Rocha

Peter Chase foi vice-presidente para a Europa da Câmara do Comércio norte-americano. Hoje, o diplomata do German Marshall Fund pega na experiência que foi acumulando para dizer que a Europa precisa de se unir para fazer frente às mudanças no mundo. Para ele, Trump vai ser como Reagan no que à economia diz respeito, e a União Europeia só sobreviverá com um misto entre mais integração e mais responsabilidade para os estados fazerem as suas escolhas económicas e financeiras. O Pacto de Estabilidade e Crescimento “é um número artificial” e que estados como Portugal deviam poder ter a capacidade de assumir dívidas.

Disse que Donald Trump iria ser como Ronald Reagan. Os EUA terão uma condução económica parecida com a de Reagan?
Quando fiz a comparação estava a pensar sobretudo em economia e também naquela ideia de fazer a América grande outra vez. Trump diz que vai baixar os impostos e aumentar a despesa com defesa em infraestruturas. Aqui na Europa, existe o debate sobre austeridade. Nós temos um debate similar, mas de outra perspectiva: é claro que Trump é uma pessoa anti-austeridade.

Na Europa estão a nascer alguns movimentos ou a crescer que, acho que se pode dizer, nascem contra a austeridade… Quando se fala em austeridade, é preciso pensar em termos do dinheiro que o Governo gasta. Mas não é suficiente pedir ao governo para fazer tudo, o sector privado também precisa de ser visto como um agente de crescimento. A capacidade de um governo gastar, depende da sua capacidade de pedir emprestado, é só se consegue ir ao mercado se as pessoas pensarem serão ressarcidas. Por isso, se fortalecerem o sector privado estão também a fortalecer a capacidade de o Estado pedir dinheiro. Agora pedir, quando se pediu demasiado, não é uma boa coisa. Ou seja, quando a dívida é demasiado alta… Aí está a grande questão: quais são os instrumentos para crescer, a despesa pública é apenas uma das respostas, mas tem ser feito de uma maneira mais inteligente. Por exemplo a Grécia, até pode precisar de alguma despesa pública, mas também precisam de redução da dívida.

Defende que deve haver uma reestruturação da dívida pública destes países como Grécia, Portugal, Espanha? O debate está aí, mas há quem acene sempre com a percepção dos mercados.
Não sei se é possível responder a essa questão. O papel de um governo é ajudar as pessoas a ajustarem-se às mudanças. Por isso é que a política comercial é tão importante. Acredito que a maioria dos governos não fizeram o que era preciso. E não se trata só das políticas europeias, mas sobretudo das políticas nacionais. Agora estamos preocupados com o populismo. O populismo tem sido um problema e parte da questão  é que estão a perceber que as pessoas estão sem capacidade e a sentirem que os governos falharam. Ora a resposta tem de passar por pôr os governos a funcionar outra vez, é pensar no que se tem feito e fazê-lo de maneira diferente. Poderá ser preciso que algumas pessoas acabem por perder os seus empregos porque se tem de fazer as coisas de maneira diferente. Continuar a fazer da mesma maneira, não é o caminho certo.

Quando fala de fazer da mesma maneira está a falar das restrições orçamentais? Na Europa há constrangimentos a certo tipo de políticas por causa do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Não podia concordar mais consigo enquanto membro do governo americano, quando fiz parte do Governo tivemos esta discussão com a Europa durante anos. O Pacto de Estabilidade e Crescimento e as metas que definem quanto um Estado pode gastar, é um número artificial. Tudo tem a ver com a percepção da capacidade dos estados pagarem as suas dívidas, e na percepção da capacidade de um Estado crescer. Uma economia jovem deveria assumir dívida, tendo défice comercial. Significaria que o dinheiro estava a entrar porque as pessoas estavam a investir com previsão de crescimento. A crise financeira foi o sucesso do mercado único e do euro e o falhanço de quando esse dinheiro chegou a Espanha, Grécia, Portugal ou Itália de ser usado correctamente na economia.

Porque diz que não foi?
Foi sobretudo para o consumo do Estado. E isso não é investir no Crescimento.

É por isso que diz que o sector privado tem de fazer parte. Mas como?
Esse mecanismo de transição não foi ainda desenvolvido eficientemente. Tem de se olhar para o porquê de não estar a funcionar. Porque é que quando um banco quando empresta dinheiro a um Governo não tem risco e o mesmo não acontece com uma empresa? Risco zero nesta negociação ou seja esta ideia de que a dívida soberana não tem risco é maluca. Encoraja os bancos a darem dinheiro a dívida soberana em vez de a dar ao sector privado. Esse é um assunto que tem de ser resolvido.

Foi também por isso que frisou a importância do Plano Juncker?
A União Europeia não tem os instrumentos para fazer a diferença. Isto tem de estar mais ao nível dos estados-membros, que têm de ter mais responsabilidades. A UE pode ajudar no acesso ao mercado e na criação do enquadramento legal, mas não tem dinheiro.

Acredita que a integração europeia é o caminho certo a seguir?
Absolutamente.

O que estamos a ver por parte de alguns países é o oposto.

Porque as pessoas não estão a falar disto desta maneira.

Não estão a falar para as pessoas?
Não estão a falar no sentido em que vemos os políticos a culpar Bruxelas pelos problemas em vez de assumirem a responsabilidade pelos problemas e dizerem que Bruxelas está a conseguir o que é suposto fazer. Bruxelas faz parte do seu próprio problema, fala de planos grandiosos em vez de se focar na sua responsabilidade. Tudo tem a ver com o alinhamento da responsabilidade é da autoridade. Muito frequentemente a União Europeia está a ser culpada por coisas e a tomar responsabilidade por coisas sobre as quais não tem qualquer autoridade. E os estados-membros estão a escapar de responsabilidades em coisas onde têm autoridade e esse alinhamento de responsabilidade e autoridade faz parte da narrativa que tem de ser feita.

Não está a melhorar? Quando se fala da Alemanha e de Angela Merkel, acho que podemos dizer que ela é uma espécie de líder da Europa, ela não está a conseguir fazer essa narrativa?
Angela Merkel é a chanceler da Alemanha, não a líder da Europa e não devia ser vista assim. Ela é responsável pelos seus cidadãos é uma das líderes. Há uma série de líderes impressionantes que precisam de se pôr no terreno fazer parte do debate. Há uma tendência na Alemanha para dizer que é o dinheiro deles que paga e por isso colocam várias restrições. Se este fosse dinheiro do sector privado, dos bancos a entrar nos países então a Alemanha não teria nada a dizer.

Provavelmente esse debate vai acontecer quando se souber o que pode acontecer ao Deutsche Bank… Oh sim, claro.

O Público viajou a convite do PPE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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