Especialistas apontam “erro, voluntário ou negligente”

O PÚBLICO pediu a vários especialistas em direito fiscal que analisassem a notícia sobre a casa de Cavaco Silva sem fornecer a identidade do proprietário ou outros dados que permitissem identificar a situação

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Protesto de activistas antiportagens junto à casa de Cavaco Silva na Coelha, em 2013 FILIPE FARINHA

Para contextualizar a notícia de que Cavaco Silva pagou metade do IMI que devia ter pago, o PÚBLICO ouviu vários especialistas em fiscalidade. Por se tratar de uma pessoa politicamente exposta, um ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República, naturalmente sujeito a convicções contraditórias, a melhor forma de conseguir uma avaliação o mais objectiva possível seria colocar o caso à consideração de especialistas, omitindo que se tratava de Aníbal Cavaco Silva e da sua casa na Aldeia da Coelha.

Enviámos os factos da notícia a cinco especialistas, omitindo o nome do contribuinte em causa, e qualquer detalhe que pudesse levá-los a reconhecer a história concreta. Por isso, todos os inspectores tributários e juristas de direito fiscal que aceitaram pronunciar-se sobre esta disparidade nas avaliações da casa Gaivota Azul, e consequente variação do valor a pagar pelo IMI, só agora, ao ler estas linhas, sabem sobre quem emitiram uma opinião. Na verdade, apenas um nos perguntou antes se não poderia saber de quem se tratava.

Todos coincidem num ponto, resumido por Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos: Há, neste caso, evidências de uma “inscrição errada” da casa de Cavaco Silva nos registos da Autoridade Tributária.

De todos, Ralha foi o único que aceitou ser citado a comentar o (hipotético) caso. Os restantes pediram-nos para não ser identificados. Foi o caso de um dos principais peritos em legislação fiscal, que também atribui a responsabilidade por toda a situação a um “erro, voluntário ou negligente, da inscrição inicial do prédio”. Ou seja, para este advogado, esse é o pecado original na história da casa. “Os modelos 129 eram então feitos com alguma displicência e davam aso a alguns erros ou, eventualmente, a manipulações de valores relevantes para a avaliação”, acrescenta, clarificando que a introdução do IMI, em 2003, quatro anos após a escritura da casa do ex-Presidente, alterou esta situação.

Outro advogado, da mesma área de especialidade, concorda, por outras palavras: “Ou houve erro, ou houve fraude.”

Como a casa foi inscrita com uma área menor, e com características diferentes das que vieram a existir, o erro tomou conta do processo. “Depois de inserido um erro no cadastro a tendência para a repetição do erro ao longo dos anos é inevitável apenas sendo quebrada quando existam eventos jurídicos que possam ‘mexer’ com a matriz predial como sejam eventuais transmissões.” Não foi o caso. A moradia não foi vendida.

Em 2012, contudo, foi determinada – durante o programa de ajustamento da troika – uma avaliação geral do património imobiliário, que veio alterar algumas destas situações. É nesse contexto que surge, como a notícia do PÚBLICO descreve, a entrega por Cavaco Silva de um novo impresso (modelo 1 do IMI) que corrige a informação que tinha sido prestada nas anteriores avaliações das Finanças. Após 2013 “existiram efectivamente casos em que, perante as divergências detectadas pelos avaliadores, foi pedida a intervenção do próprio sujeito passivo para regularizar a situação fornecendo os elementos de informação necessários”, explica um dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO. “Desta nova avaliação terá resultado o novo valor patrimonial tributário, substancialmente superior ao anterior por ter atendido não apenas aos novos critérios de valorização dos imóveis mas, neste caso, principalmente pelo acréscimo de áreas de construção.”

Paulo Ralha, o presidente do sindicato dos Trabalhadores dos Impostos recorda: “A avaliação que existia até à reforma do património (que se concluiu em 2012) fundava-se em valores pouco objectivos, que vinham da antiga contribuição predial e tinha por base o valor de renda do prédio. Ora estes valores eram muito desajustados ao valor de mercado. Com a reforma, a avaliação baseia-se em critérios objectivos, como valor de construção, idade, localização, etc. Todavia existem ainda alguns critérios não muito objectivos e que agora foram mais valorizados, como o caso da já muito citada 'exposição solar'. São contudo meros ajustamentos a um valor que é obtido com critérios concretos.”

Quanto à hipótese de a Autoridade Tributária tentar reaver parte do IMI que não foi cobrado por haver um “erro” na inscrição da casa na matriz, apenas um advogado ouvido pelo PÚBLICO se pronunciou: “Teoricamente, seria possível que a AT, identificando o erro e comprovando que o prédio era o mesmo havia anos, pudesse efectuar liquidações adicionais em relação aos períodos de tributação em que o imóvel foi incorrectamente avaliado. Porém, além da dificuldade em despistar este tipo de situações com carácter geral, se o pretendesse fazer estaria sempre sujeita ao prazo de caducidade do direito à liquidação (4 anos).”

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