Em Évora Monte fala-se pouco de política. Quem mudou o voto insiste: é secreto

Na pequena freguesia alentejana, há habitantes que costumavam dar o voto aos comunistas e que, nesta eleição, votaram Marcelo Rebelo de Sousa. Porque o conheciam da televisão.

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Em Évora Monte também se sentiu o efeito "Marcelo" Enric Vives-Rubio
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Enric Vives-Rubio
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Não há muita gente nova nas ruas àquela hora. São 12h40, é um dia de semana. São sobretudo reformados que se encontram, durante a tarde, para jogarem cartas perto da Praça dos Aviadores, na freguesia de Évora Monte, Estremoz, distrito de Évora. É nesse largo que vemos, no mesmo enquadramento da placa da junta de freguesia, um cartaz de Edgar Silva, o candidato apoiado pelo PCP nas eleições presidenciais. Não vimos mais nenhum.

Apesar de as ruas estarem praticamente desertas e de se conseguir ouvir o chilrear dos pássaros, os cães a ladrarem, o balir das ovelhas, ao fim de algumas horas conseguimos falar com várias pessoas. Perguntar-lhes se foram votar nestas presidenciais e se nos querem contar em quem e porquê. Não sendo Évora Monte caso único (nas placas escreve-se Évoramonte), nesta freguesia, onde vivem 569 pessoas, o PS ficou à frente nas legislativas e agora quem ganhou foi Marcelo Rebelo de Sousa e se, nas legislativas, o PCP vinha logo em segundo lugar, com 20,33% e o BE em quarto com 11%, agora a candidata apoiada pelo Bloco, Marisa Matias soma 15,38% e quase duplica os 8,74% de Edgar Silva. Nesta freguesia, nas legislativas, votaram 61,35%; nas presidenciais, 59,47%.

Houve pessoas que mudaram o sentido de voto e nós cruzámo-nos com algumas, mas muito poucas quiseram dizer em quem votavam e em quem passaram a votar. Constança Pires, 73 anos, trabalhava no campo, assume que mudou o sentido de voto entre as legislativas e as presidenciais, mas fica-se por aí: “Isso não se pode dizer”, diz, e solta uma gargalhada.

Edmundo Pinheiro, 67 anos, que antes de se reformar trabalhava numa oficina de bicicletas, também foi votar e também não quer falar sobre isso: “Isto é demasiado pequeno. Conhecemo-nos todos uns aos outros”, diz, boina na cabeça, sentado na pequena praça.

Carlos Arromba, 84 anos, que trabalhava no campo, responde-nos com o mesmo silêncio: “O voto é secreto. Estamos em democracia e a gente pode falar, mas não pode dizer tudo. Ao dizer essas coisas podemos ofender os outros e arranjar problemas.”

Do PCP para Marcelo
Os que assumem mais facilmente em quem votaram são os que escolheram a coligação de direita em Outubro e agora Marcelo Rebelo de Sousa. Ou os que preferiram PS nas legislativas e agora Sampaio da Nóvoa ou Maria de Belém.

Pai e filha: Ana Ameixa (não diz a idade, apenas que está na casa dos 30) e Eduardo Ameixa, 80, trabalham na castração de gado. Votaram na coligação Portugal à Frente e agora em Marcelo Rebelo de Sousa. E foi com grande surpresa que perceberam que o candidato de direita venceu naquela freguesia com 33,22% (Sampaio da Nóvoa ficou logo a seguir, com 30,77%).

Paulo Correia, pedreiro, 49 anos acabados de fazer, votou no antigo reitor. Rafael Loureiro, que trabalhava na Segurança Social, 63 anos, também votou PS e agora escolheu Sampaio da Nóvoa. É ele quem nos diz: “Mas houve pessoas do PCP que votaram Marcelo e [na candidata do] Bloco.”

Ao lado, de palito no canto da boca, fato-macaco e chapéu, Isaltino Oliveira, operador de máquina de 63 anos, conta que, desta vez, nem foi votar. Tem uma razão: “No PS não se entenderam.” Se o partido tivesse apoiado um candidato, teria ido votar. Assim, não foi. Quanto à perda de votos do PCP, também tem um argumento na ponta da língua: “As pessoas mais antigas desaparecem, o PCP desaparece com elas.”

Há duas senhoras, porém, que assumem que costumavam dar o voto aos comunistas e que agora deram ao candidato da direita, porque era o mais conhecido, o que viam na televisão.

Felícia Cabral, de 68 anos, vai “sempre, sempre, sempre votar”. Já votou muitas vezes no PCP. Nas últimas legislativas, apesar de gostar “muito” da porta-voz do Bloco – “adorava-a e adoro” -, também votou nos comunistas. Agora, escolheu Marcelo de Rebelo de Sousa, porque “gostava de o ouvir” na televisão.

“Sou pobre, gostava que ele fizesse alguma coisa pelos pobres, pelos reformados”, diz. Admite que ficou baralhada no momento de optar: por um lado, algumas pessoas avisaram-na que outros candidatos dariam mais garantias de defender os direitos que enumerou; por outro, garantiram-lhe que era o “mais entendido” dos dez que concorreram a Belém. “Eu sei lá”, desabafa.

À porta de casa, cabelo branco, casaco de malha por cima de uma bata, Cristina Pires, 81 anos, que trabalhava no campo, expõe razões semelhantes. Votou muitas vezes nos comunistas, nas legislativas também. Mas agora deu o voto ao candidato da direita. Porquê? “Porque via-o na televisão, ouvia-o falar”. 

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