É política…

Falta António Costa provar que é capaz de parar de esbracejar, pôr os pés no chão, deixar assentar a poeira e governar na pacatez plácida de Portugal.

Não há qualquer sombra de dúvida que o Governo português obteve uma vitória política ao ver anulada a possibilidade de ser aplicada uma multa por défice excessivo de 0,2% em 2015. Esta vitória pertence ao primeiro-ministro, António Costa e também, inegavelmente, ao comissário Carlos Moedas. É um trunfo da habilidade negocial, diplomática e propagandística de António Costa. Mas o primeiro-ministro tem ainda que mostrar ao país que consegue negociar com a Europa e defender os interesses de Portugal, governando normalmente.

Acima de tudo, António Costa fez prevalecer a ideia de que em democracia os debates políticos nunca estão terminados e a defesa de posições e as negociações políticas nunca devem ser dadas por vencidas. Até porque, como é evidente em democracia, há sempre alternativa e que nunca há apenas um caminho.

O episódio da anulação da multa a Portugal mostrou à evidência como as negociações na União Europeia são políticas e como as posições que são defendidas por comissários e representantes de governos dos Estados-membros são igualmente políticas e filiadas ideologicamente, bem como subsidiárias de lógicas regionais. E que em caso algum as propostas de organismos europeus, quer os organismos executivos como a Comissão, quer as medidas aprovadas pelo Conselho Europeu, devem ser tomadas como verdades absolutas ou mesmo científicas. Isto não quer dizer que não exista rigor e seriedade nas decisões, mas está sempre presente a subjectividade e o interesse de quem vence e consegue impor a orientação.

A vitória política de António Costa reflecte por outro lado a derrota interna dos parceiros da coligação, BE, PCP e PEV, que acreditaram que não era possível reverter a inflexibilidade da Comissão Europeia e do Ecofin. Mas é-o também do CDS e do PSD, tanto mais que estes partidos foram Governo no período a que respeita o défice excessivo em causa. Uma derrota que expõe Pedro Passos Coelho, até pela forma como ele se colou à ideia da aplicação de sanções.

Convém, porém, ter presente a realidade e o contexto desta decisão. E relativizar o entusiasmo do triunfo do mesmo modo que se devia ter relativizado o tremendismo da eminência da sanção. A análise da aplicação de sanções a Portugal não está fechada. Em Setembro, começa a segunda parte deste dossier. Ela consistirá na avaliação sobre a eventualidade de serem efectuados cortes nos fundos estruturais, a qual será feita através de um debate entre a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu. E embora politicamente possa agora estar dificultada a aprovação de cortes nos fundos estruturais, o facto é que estes são o único meio previsto pelo Governo para ter investimento público em Portugal nos próximos anos.

Além disso, as debilidades orçamentais e financeiras do Estado português, bem como da economia são um aviso para que o Governo português se mantenha atento à necessidade de negociar com as instituições europeias nos próximos anos. Negociar com a Europa tal como terá de negociar internamente com os parceiros de entendimento que suportam o Governo, o BE, o PCP e o PEV, já para o Orçamento de 2017.

É, por isso, que há um outro lado deste problema em que António Costa ainda não provou estar à altura do cargo de primeiro-ministro que ocupa. Porque uma coisa é negociar e ganhar uma votação na Comissão após uma batalha imensa de diplomacia e propaganda, outra é conseguir manter esta frente de negociação aberta e governar com normalidade. Ou seja, agora falta o resto. Falta António Costa provar que é primeiro-ministro e que consegue gerir o Estado com calma, que é capaz de parar de esbracejar, pôr os pés no chão, deixar assentar a poeira e governar na pacatez plácida de Portugal, um país sem crescimento económico significativo há uma década, inserido numa Europa e num Ocidente sem investimento e assolado por crises de modelo económico, de modelo social, de urgência humanitária, de valores éticos e morais.

E esse é o grande desafio que se coloca ao primeiro-ministro, o de mostrar ao país que é capaz de governar sem a excitação e o clima de iminência de catástrofe em que os portugueses têm sido dirigidos há praticamente uma década. Uma situação que levou à intervenção para o ajustamento da política orçamental, que começa a ser questionada pelos próprios responsáveis, como é visível no preocupante relatório sobre o papel do FMI em Portugal, o qual aponta vários erros de avaliação e de actuação, erros cujas consequências não são teóricas, são a perda real de poder de compra dos portugueses.

Normalizar a governação é essencial até para que haja clima para que o funcionamento do Estado e da economia entre nos eixos. Gerir o Estado com a noção exacta dos parcos recursos, sem exageros sancionatórios, nem deslumbres despesistas. É isso que o político António Costa ainda tem de mostrar que é capaz.

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