É o Governo que não tem visão de futuro ou o PSD que só passa na RTP Memória?

Ex-ministro Marques Guedes acusa esquerda de “impor um clima de asfixia parlamentar”. PS, BE, PCP e PEV insistem que se tem feito mais do que fez a direita na reforma do Estado.

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LUSA/JOÃO RELVAS

Deveria ser um debate sobre a reforma do Estado e acesso aos serviços públicos, como fora pedido pelo PSD para a interpelação parlamentar desta tarde, mas o que ficou das intervenções pouco mais foi do que o extremar de posições e acusações entre direita e esquerda. Tanto sobre políticas erradas na educação, saúde ou outros serviços públicos como sobre atitudes no Governo e no Parlamento.

O social-democrata Hugo Soares criticou duramente o Governo e a estratégia de aliança da esquerda, considerando que a equipa de António Costa não tem “visão” nem “projecto de futuro”, é de “conversa fiada”, “só pensa na sua sobrevivência política”, apenas “se entretém a fazer oposição à oposição” e em funcionar numa “lógica revanchista”. Dos deputados do PS, BE, PCP e PEV disse estarem no “atavismo político, presos no passado, sem ideia de futuro”, e o Governo está “preso ao situacionismo da esquerda e limita-se a gerir intendência e popularidade”.

Repetindo, a passo, o termo “Governo das esquerdas” para anilhar BE e PCP ao PS, Hugo Soares disse que o Executivo usa a sua estratégia das reversões não para dinamizar a economia, mas para “estatizar o emprego para gerar e gerir clientelas eleitorais”, lembrando que “estamos em ano eleitoral e isso é que importa!” “Eis o resumo da governação da esquerda um ano depois: um Estado mais caro, menos eficiente, mais afastado do cidadão e a prestar pior serviço.”

O deputado desafiou o Governo a despachar-se com a proposta sobre a descentralização, mas vez que o PSD já apresentou a sua, procurando capitalizar os desentendimentos que existem à esquerda sobre o modelo que Costa quer seguir, mas que BE, PCP e PEV desaprovam.

O ataque do ex-ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, que encerrou o debate, foi na mesma linha, e, mesmo apesar da ausência do presidente do Parlamento não se coibiu de o criticar. “A mais grave e perigosa das derivas é o atropelo ao regular funcionamento da Assembleia da República que hoje vivemos. De forma insidiosa e com a conivência activa do presidente da AR, é preciso dizê-lo, depois dos episódios de baixa política, tiques de autoritarismo e totalitarismo, a maioria ensaia agora a imposição de um clima de asfixia parlamentar em que os elementares deveres constitucionais (…) são bloqueados e vilipendiados.”

Marques Guedes vincou ainda que “quem assim age quer reduzir o Parlamento a uma câmara de branqueamento dos erros e de encobrimento das responsabilidades na acção governativa. Quer asfixiar a função da fiscalização do Governo.” E avisou os partidos: “Quando se arrogam o mandato para esmagar direitos e silenciar o escrutínio por quem está na oposição estão a dar um tiro no pé e a automutilar-se.”

O ministro-adjunto Eduardo Cabrita disse que o discurso de Hugo Soares fora um “dos piores momentos ao estilo da RTP Memória, um momento de desespero” do PSD, que continua ligado aos seus “quatro anos de fracassos, recessão social e atentados ao Estado de direito”. Na resposta, Hugo Soares haveria de dizer-lhe que na RTP Memória o vê como “membro do Governo, ao lado do engenheiro Sócrates a levar o país para a bancarrota”.

O governante falou de medidas de simplificação e modernização administrativa do Simplex, e da descentralização – os dois pilares da reforma do Estado. E lançou o mote agarrado por toda a esquerda de crítica ao relatório da reforma do Estado que Paulo Portas demorou quase um ano a fazer, um “relatório apressado coligindo banalidades para troika ver, num qualquer power point para entreter conferências”, descreveu o ministro.

Durante o debate, sociais-democratas e centristas insistiram na ideia de que a esquerda está a desbaratar o esforço feito pela direita e se preocupa apenas com um “plano nacional de reversões”, num trocadilho com o plano nacional de reformas, como disse o centrista Hélder Amaral, que falou na “política do faz-de-conta e da mentira” de Costa.

Os socialistas argumentaram com os cortes cegos durante quatro anos que levaram à destruição da escola pública – da aprendizagem mas também dos quadros de professores e auxiliares, das instalações escolares -, da assistência na saúde – da redução dos médicos de família ao encerramento de urgências e hospitais, do custo dos medicamentos às horas de espera por consulta, cirurgia ou exames e ao aumento das dívidas dos hospitais -, do emprego, das funções sociais do Estado, da redução de mais de mil freguesias “a régua e esquadro” por Miguel Relvas.

No encerramento, a ministra Maria Manuel Leitão Marques acusou a direita de ter congelado o programa Simplex “precisamente no ano em que foi premiado pelas Nações Unidas”. “Perdeu-se, assim, tempo, ímpeto, cultura e oportunidade de dar continuidade a uma verdadeira reforma do Estado e de melhoria do acesso aos serviços públicos que agora, sei lá porquê, tanto os preocupa”, acrescentou, considerando que a direita “não tem curricula” para lhe dar lições em matéria de simplificação e modernização administrativa.

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