É a democracia

Quem está no Governo tem de seguir os compromissos ideológicos e políticos em que se enquadra.

O Orçamento do Estado para 2016 está pronto e o Governo do PS conseguiu nele cumprir as suas promessas eleitorais, além de manter o compromisso de que irá respeitar as metas impostas pela necessidade de ajustar a política orçamental portuguesa às regras do Tratado Orçamental da União Europeia. Sem ser ainda possível analisar em todos os seus aspectos e implicações a proposta de contas do Estado para este ano, é possível uma conclusão evidente. Afinal havia outra forma de realizar os cortes orçamentais que são necessários nas despesas do Estado português. Ou seja, havia forma de aumentar a receita pública sem onerar os trabalhadores através do aumento de impostos directos sobre o trabalho, mas fazê-lo através de impostos indirectos sobre o consumo.

António Costa e a direcção do PS sempre disseram, desde o início da sua ascensão no partido no Verão de 2014, que não aceitavam as regras orçamentais que o Governo do PSD e do CDS, liderado por Pedro Passos Coelho, tinha adoptado para realizar a política de austeridade que incidiu sobretudo sobre o trabalho. E sempre afirmaram que iriam alterar a receita para procurar incentivar o crescimento económico e estimular o mercado interno para que haja mais circulação de dinheiro e aumento da respectiva receita fiscal do Estado.

Foi isso que foi inscrito no documento dos economistas liderados por Mário Centeno, agora ministro das Finanças. Foi isso que foi mantido no programa eleitoral do PS. E é isso que está inscrito e é a base essencial de trabalho dos entendimentos bilaterais que foram feitos entre o PS e o BE, o PCP e “Os Verdes”. É por isso normal que agora Costa e Centeno tenham feito um Orçamento em que o aumento de receita se faz através de impostos como o dos combustíveis ou o dos automóveis, mas em que são repostos os cortes sobre salários e pensões que foram feitos pelo Governo de Passos.

Será agora preciso esperar para ver se a receita  de Costa e Centeno é falível ou se vai chegar aos objectivos a que se propõem. E não vale a pena entrar em críticas tremendistas sobre os riscos e o horror das soluções dos socialistas. É saudável que haja debate e que a oposição procure activamente contribuir para que as soluções sejam melhoradas de forma a beneficiar os cidadãos através da melhoria das suas condições de vida. Mas não vale a pena extremar posições como se o país estivesse para acabar.

Isto porque no momento em que o Governo está legitimado pela maioria dos deputados eleitos à Assembleia da República, a sua legitimidade constitucional dá-lhe a responsabilidade de elaborar o Orçamento do Estado. E é normal que Costa elabore o Orçamento de acordo com os pressupostos políticos e ideológicos em que acredita e que defendeu desde o seu primeiro dia de campanha para líder. E lembremos que logo no Verão de 2014 disse que iria tentar romper o arco da governação e trazer o PCP e o BE a assumirem responsabilidades governativas. Bem como sempre se opôs aos cortes sobre o rendimento do trabalho.

É assim normal que António Costa governe de acordo com aquilo em que acredita e de acordo com os princípios ideológicos que considera correctos, assim como Passos teve oportunidade de fazer durante quatro anos. É isto a democracia. A possibilidade de gizar e aplicar soluções de Governo coerentes com os pressupostos ideológicos e políticos a que cada partido obedece. Assim, Passos governou e agora é a vez de Costa governar. O debate político far-se-á, em Portugal e na União Europeia. E a nível europeu é expectável que não haja boa vontade de encontrar soluções para os países intervencionados do sul que suplante as exigências e as regras orçamentais impostas pelo Tratado Europeu. Assim como não é de esperar que sejam matizadas as exigências dos credores.

A União Europeia tem de respeitar as opções políticas e ideológicas de cada Governo. Apenas pode e deve ser exigente na forma como o Orçamento está construído. Mas mesmo a esse nível há uma margem de flexibilidade que tem que existir. Como exemplificou a antiga líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, há domínios como o do défice estrutural em que o debate é teórico e só a realidade trará certezas absolutas.

Ninguém – nem em Portugal, nem na União Europeia – podia estar à espera de que o Governo do PS liderado por Costa fosse prosseguir com as mesmas soluções e obedecer aos mesmos princípios que foram os da maioria PSD-CDS liderada por Passos. Para isso não valia a pena haver eleições e não valia a pena haver democracia. E é esse o apelo da democracia, o de ser um regime político de um povo adulto, capaz de correr riscos, de optar entre soluções diferentes e até opostas. Sabendo que quem está no Governo tem de seguir os compromissos ideológicos e políticos em que se enquadra. É este o risco da democracia, o seu apelo e o seu mérito.

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