Durão Barroso e a sua má decisão

Durante dez anos foi líder da União Europeia. Tinha muitas formas de se reinventar. Escolheu a pior.

Adecisão de Durão Barroso de aceitar o convite do Goldman Sachs foi muito criticada, mas o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho disse que tem “alguma dificuldade em compreender as críticas”.

E, no entanto, são de fácil compreensão. Não é preciso ir à sede do PCP procurar argumentos. Pode começar-se por ouvir banqueiros, altos funcionários da União Europeia, políticos europeus ou diplomatas.

A principal razão é o facto de o Goldman Sachs não ser um banco qualquer. É o gigante da banca de investimento que mais directamente pode ser responsabilizado pela sobrevalorização dos activos e permanente fuga para a frente que nos levou à crise, e que foi durante anos apresentado como o banco bom para “maquilhar contas públicas”. É acusado de o ter feito para a Grécia. É um banco com um braço político, que aconselhou tanto empresas como Estados (e mal). É mais do que um banco com má reputação.

Em sua defesa, sublinha-se que Durão Barroso cumpriu todas as regras, mas todos sabemos que os 18 meses de cooling-off — ou luto — impostos pela União Europeia (que Barroso cumpriu) já são considerados insuficientes. A tendência hoje é exigir intervalos mais longos — no Canadá já são de cinco anos para os ministros. A prática mostra que quanto mais rápida é a passagem pela “porta giratória” que separa o público do privado, mais provável é o ex-governante poder influenciar os processos de decisão em benefício do novo patrão.

Não podemos ignorar que uma “transferência milionária” e quase directa como esta destrói o romantismo que ainda possa subsistir quando olhamos para os líderes europeus como políticos que defendem a coisa pública e a força europeia acima de qualquer outro interesse. A decisão de Barroso demonstra uma enorme insensibilidade política. Não se pede a Barroso que se sacrifique pela Europa, mas era escusado contribuir para prejudicar ainda mais a sua imagem.

Não podemos ficar reféns do que Marine Le Pen pensa, mas não é muito esperar que quem liderou a Comissão Europeia durante dez anos prossiga o seu caminho em defesa da Europa.

O Goldman Sachs disse que Barroso vai contribuir com a sua “capacidade de avaliação e aconselhamento” e, em alguns sectores, há a esperança de que, como chairman, consiga “melhorar” o banco. É uma utopia pensar que isso vai acontecer quando sabemos que, depois destes anos de crise, tantas coisas estão mais ou menos na mesma. Durão Barroso vale pela poderosa agenda de contactos que estabeleceu nestes anos e esses contactos são úteis agora — não daqui a cinco anos. Como chairman, terá uma função sobretudo política, de alguém que vai ajudar a abrir portas.

Durão Barroso não violou nenhuma regra, mas a sua decisão expõe de forma flagrante a necessidade de as regras mudarem. Essa é a única boa notícia desta notícia.

A outra boa notícia da semana todos sabemos: ganhámos o Europeu! Parabéns à equipa.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários