Draghi sugeriu revisão da Constituição e das leis eleitorais

António Costa não levou o Programa de Estabilidade ao Conselho de Estado porque ainda decorrem as negociações com Bruxelas, em especial sobre a forma de calcular o défice.

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Mario Draghi foi o convidado especial do Conselho de Estado Nuno Ferreira Santos

Pelo que foi dito e pelo que não foi, o primeiro Conselho de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa foi uma caixinha de surpresas. Mas também bastante esclarecedor. O convidado especial, Mario Draghi, causou uma forte impressão pelo marcado perfil político com que se apresentou no Palácio de Belém, e António Costa surpreendeu muitos conselheiros pela ausência de informações sobre o Programa de Estabilidade, que era afinal um dos temas que o Presidente da República tinha inscrito na ordem de trabalhos.

A intervenção do presidente do Banco Central Europeu foi tornada pública ainda Mario Draghi falava aos conselheiros de Estado: um dos pontos-chave foi a defesa das reformas feitas pelo anterior Governo e o incitamento ao actual executivo para que, não só não as reverta, como prossiga esse ímpeto reformador.

Mas foi no debate que se seguiu – duas horas de perguntas e respostas consideradas muito interessantes – que este líder europeu mais revelou. Mario Draghi, apurou o PÚBLICO, sugeriu até a alteração da Constituição e das leis eleitorais, embora nunca o tenha feito de forma específica ou directamente visando Portugal. Se na intervenção inicial já tinha afirmado que “a melhoria do funcionamento do mercado de trabalho continua a ser fundamental” e “um importante desafio em Portugal”, nas respostas aos conselheiros considerou que as Constituições dos países são, muitas vezes, obstáculos a reformas como essa.

Mas não só. Entre as reformas estruturais que o presidente do BCE afirmou ser necessário concretizar elencou, além das expectáveis reformas da Segurança Social (a prioritária), da Justiça e da Educação, a alteração das leis eleitorais tendo em conta as questões de governabilidade.

Fê-lo, apurou o PÚBLICO, de forma suave, sem concretizar nem quais os países a que se referia, nem que tipo de mudanças preconizava. Mas para bom entendedor meia palavra basta e a ideia que deixou na sala foi a de que países como Portugal e Espanha talvez pudessem ter um sistema eleitoral que facilitasse a formação de governos maioritários quando os resultados eleitorais não fossem expressivos nessa matéria.

Draghi surpreendeu também quando, por diversas vezes, questionado sobre questões específicas relacionadas com a banca e o défice, conduzia as respostas para questões mais políticas, embora de forma considerada muito hábil e de grande sensibilidade. Deixou sempre a ideia de que as decisões têm de ser tomadas pelos eleitores de cada país, embora fosse sugerindo o que era importante, e aveludava as respostas à sensibilidade política de cada conselheiro que o interpelava.

Já na segunda parte da reunião – sem a presença do presidente do BCE e o governador do Banco de Portugal, que nunca interveio -, a expectativa estava do lado de António Costa. Mas o primeiro-ministro deixou quase em branco um dos dois pontos da ordem de trabalhos: sobre o Programa de Estabilidade, pouco ou nada disse, alegando que estavam em curso as difíceis negociações com Bruxelas, sobretudo no que diz respeito à forma de cálculo sobre o défice público – a pedra de toque para se saber se Portugal se manterá ou não no procedimento por défice excessivo.

Num momento em que o Governo dá por concluídas as conversas à esquerda sobre o documento que será aprovado em Conselho de Ministros a 21 de Abril e discutido no Parlamento a 27 – dias antes do fim do prazo para a sua entrega à Comissão Europeia -, pesou na sala a falta de informações sobre o assunto, levando a que alguns conselheiros interpretassem esse silêncio como dificuldades na compatibilização entre as expectativas de Bruxelas e as dos partidos da esquerda que apoiam o PS no Parlamento.

Interessante foi também considerada a curta intervenção inicial feita pelo Presidente da República, que justificou a presença de Draghi e os temas inscritos na agenda como fundamentais para definir os próximos Orçamentos de Estado, que lhe caberá promulgar… ou não.

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