Jerónimo de Sousa: “Dizer que este é um orçamento de esquerda é manifestamente exagerado”

Líder do PCP em entrevista ao Expresso elogia António Costa e garante que tudo fará para melhorar a proposta orçamental na especialidade. “O nosso primeiro e principal compromisso é com os trabalhadores, o povo e o país. Não com o PS!"

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Jerónimo de Sousa: "[A relação entre PS e PCP] não tem sido fácil, mas tem-se pautado pela seriedade e a clareza" Enric Vives-Rubio

Jerónimo de Sousa até pode elogiar o primeiro-ministro, dizer que António Costa tem sido sério e franco, o que não pode é aceitar o Orçamento do Estado (OE) tal como está. Em entrevista ao semanário Expresso, o líder do PCP deixa bem claro que está descontente com o OE e que as negociações não chegaram ao fim. Os comunistas ainda não desistiram de ver todas as pensões aumentadas, de acabar com a sobretaxa do IRS já em 2017 e de tirar os salários dos funcionários públicos do congelador. Se estas três coisas não acontecerem, o PS estará a quebrar o acordo estabelecido e, assim sendo, a ameaçar a paz social.

“Dizer que se trata de um orçamento de esquerda é manifestamente exagerado”, garante o líder dos comunistas , que está à espera da discussão do documento na especialidade para ver avanços nas questões das reformas e das pensões e para esclarecer alguns dos aspectos do IMI relativo ao património de mais de um milhão de euros, um assunto em que o “PCP não teve nenhuma posição decisiva”, nem antes nem depois de “criada uma trapalhada com aquela declaração do BE [refere-se ao que decorreu das polémicas declarações da deputada bloquista Mariana Mortágua que incluíram a frase ‘do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro’]”.

Lembrando que nos últimos anos os funcionários públicos tiveram, além dos cortes salariais, um congelamento de carreiras, Jerónimo de Sousa disse que os comunistas vão empenhar-se “a fundo” para que a situação dos trabalhadores da administração pública seja melhorada.

O líder comunista reconhece que esta proposta orçamental mostra que os socialistas não respeitaram a posição conjunta no que toca a salários, pensões e sobretaxa do IRS, que o ministro das Finanças já veio dizer que só acabará em 2018, mas diz estar disposto a trabalhar para que “não existam posições irreversíveis” e para que se continue a apostar na reposição de rendimentos e de direitos que se verificou em 2016.

“Criou-se uma mistificação, alguns até dizem que o PCP está no Governo. Não estamos nem temos nenhum acordo de incidência parlamentar. Este não é um governo de esquerda ou das esquerdas.” Para clarificar, acrescenta que não há qualquer pacto orçamental entre PCP e o executivo de António Costa: “O compromisso que temos em relação ao OE é de votar a favor daquilo que entendermos ser positivo para os trabalhadores, para o povo e o país”, reforça, sem no entanto se comprometer com a possibilidade de os comunistas virem a votar contra a proposta orçamental. “Em relação ao resultado final, veremos.”

Os elogios a Costa

Dizendo que negociar com Costa é mais produtivo do que com Mário Centeno, o responsável pela pasta das Finanças, Jerónimo de Sousa admite que o primeiro-ministro tem um papel decisivo e que tem demonstrado que pode funcionar como uma desbloqueador da discussão em alguns momentos: “O que é perceptível é que o primeiro-ministro tem assumido as suas responsabilidades.”

Da entrevista de duas páginas ao semanário, torna-se claro que os dias não são fáceis na coligação que sustenta o Governo, mas que não serão tão difíceis como a oposição vaticinou, pelo menos no que toca ao vector PS-PCP: “[A relação entre PS e PCP] não tem sido fácil, mas tem-se pautado pela seriedade e a clareza. Neste momento existe uma relação normal com o Governo.” Um Governo que, sublinha, tem tido uma “atitude séria e de diálogo”. Mais um elogio a António Costa? “Não posso desmentir essa seriedade, a franqueza que tem havido. É uma nota que insisto em relevar.”

Os mesmos elogios não são extensíveis ao Bloco, força de que tem havido “um certo distanciamento”, admite: “O BE trabalhou muito por conta própria. Avançou com medidas, decisões, coisas que pareciam mais ou menos arrematadas, e no entanto, muitas vezes não era assim.”

Quanto à possibilidade de vir a fazer parte de uma solução governativa pós-2019, Jerónimo de Sousa diz que será a realidade a demonstrar, ou não, a viabilidade desse cenário. “É evidente que não estamos a pensar num governo sozinhos! Nem há aqui um toque de magia, porque não vamos para o governo em quaisquer condições . […] Se o PS estiver empenhado em procurar respostas estruturais para problemas estruturais, é evidente que se abre uma real possibilidade. Por exemplo: se em vez da submissão aos constrangimentos da UE passar a enfrentar as instituições… Não é que desate aí à espadeirada! Mas impõem-se um posicionamento que o PS não tem actualmente.”

O líder do PCP falou ainda da sua manutenção à frente do partido – no próximo congresso, agendado para Dezembro, deverá tornar-se o segundo líder mais duradouro do partido, depois de Álvaro Cunhal – e da naturalidade com que encara a falta de unanimidade em algumas das posições políticas assumidas, admitindo que está à espera de críticas à posição conjunta que viabilizou o governo de Costa.

“Ninguém é perfeito ou intocável. Acho sempre que a crítica tem um valor intrínseco”, diz, sem deixar de assegurar, talvez procurando antecipar já algumas dessas críticas, que o “primeiro e principal compromisso” do PCP “é com os trabalhadores, o povo e o país. Não com o PS!”

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