(Des)igualdade de oportunidades

Importa olhar para o mercado trabalho que temos, que mecanismos de apoio à maternidade disponibilizamos e que soluções de apoio à infância oferecemos.

Há quinze dias, neste mesmo espaço, defendia que queria viver num país onde as mulheres tivessem tantos direitos como os homens. Afinal como é possível que em pleno século XXI as mulheres não tenham os mesmos direitos que os homens? Não é possível. E se no plano do direito essa igualdade está salvaguardada, no plano da realidade a conversa é outra: os homens continuam a ocupar os lugares-chave na nossa sociedade, nas empresas ou na política. As estatísticas são esmagadoras: somente uma mulher à frente de uma empresa do PSI20; 15% de mulheres nas administrações das empresas cotadas; nem uma mulher na nova administração da CGD; só 6% de mulheres chegaram a lugares de ministras em mais de 40 anos de democracia; das 308 câmaras municipais do país, apenas 23 são lideradas por mulheres (7,5%). E os números continuam, não se cansando de espelhar a gritante desigualdade de facto na sociedade portuguesa.

Numa altura em que as desigualdades são, e bem, o alfa e o ómega da discussão nacional e mundial, a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens não pode continuar a ser tratada como um assunto menor. Todavia, os políticos, homens e mulheres, tentam muitas vezes de forma artificial e demagógica atacar este problema, como foi agora evidente no caso da escolha do novo secretário-geral da ONU. Alguns países, possuídos por uma súbita vontade de resolver o problema da desigualdade de oportunidades, fizeram aparecer – qual máquina de pipocas – nomes de ilustres mulheres, candidatas a ocupar um tão importante cargo internacional. Estes comportamentos, erráticos, demagógicos e circunstanciais, levam ao descrédito total. E muitas vezes têm efeitos ainda mais graves, deitando por terra o esforço genuíno de muitos na construção de uma sociedade mais justa, coesa e de plena igualdade de oportunidades e direitos.

Quando se trata de lugares, o mérito é sempre o único critério possível. O problema é que, durante demasiado tempo, replicámos meritocracias sexistas. As mulheres estiveram afastadas da experiência meritocrática e isso não pode continuar a ser desculpa para as desqualificar para os lugares. Uma das mais recentes provas da menorização da importância das mulheres na política deu-se quando as mulheres socialistas da FAUL convidaram o antigo primeiro-ministro José Sócrates para a sua universidade de Verão. Tendo vontade, mas não a coragem, o PS federativo fez uma espécie de convite por procuração: deixou que as mulheres convidassem Sócrates enquanto os dirigentes sentiam para que lado soprava o vento. Depois bastou dizer que o encontro era uma coisa sem importância. Como se fosse promovido por um órgão de incapazes.

O que os políticos devem começar a fazer é olhar para dentro das suas organizações e perceber o que falta fazer para atrair mais mulheres, dando-lhes a merecida voz e lugar à mesa da decisão. Quanto a mim, a liderança pelo exemplo é a mais poderosa das ferramentas de gestão. Por maioria de razão, defendo que a liderança política deve sinalizar essa vontade de lutar contra os preconceitos e dogmas instalados, dando o exemplo e garantindo a paridade e a inclusão de mais mulheres.

Tradicionalmente, a esquerda arroga-se o direito dinástico de ser proprietária de todos os temas sociais que impactem com os direitos, liberdades e garantias, ou com a liberdade de escolha em temas fracturantes. Para mim estes temas são de todos: não têm herdeiros nem donos. Por isso mesmo é um erro ignorar o assunto ou deixar o discurso das igualdades entregue à esquerda. Como é um erro não pesar o impacto económico que esta desigualdade tem quando procuramos todos os dias soluções para combater a crise.

O PSD foi o primeiro partido em Portugal a ser liderado por uma mulher, Manuela Ferreira Leite, e hoje tem mais mulheres do que nunca na sua direcção. Esse é o seu ADN, o de um partido humanista, inclusivo, tolerante e progressista. A única forma de honrar este património é colocar o partido na liderança de mais uma batalha, a da paridade, abraçando um desafio ainda maior: impor quotas nas estruturas do partido. O sistema de quotas, que foi criado como incentivo temporário de alavanca ou motor para a mudança de mentalidades, é um meio e não um fim. Muitos dizem, a começar pelas próprias mulheres, que se trata de um atestado de menoridade a todas aquelas que entram nas listas partidárias a reboque de um formalismo legal. A minha resposta a todas essas vozes, com o meu conhecimento de mais de 20 anos de vida partidária activa, é que se não tivéssemos quotas o Parlamento e as Câmaras Municipais seriam hoje lugares ainda mais desiguais, com muito mais homens e muito menos mulheres na vida pública.

Confesso que sabe a pouco, muito pouco mesmo, viver para cumprir uma quota. Como dirigente político quero mais. Quero mudar as mentalidades desde a infância, quero que mais mulheres se livrem do constrangimento e quero que contribuam para a construção de Portugal melhor. Sendo as quotas uma alavanca circunstancial e não estrutural, importa concomitantemente olhar para o mercado trabalho que temos, que mecanismos de apoio à maternidade disponibilizamos e que soluções de apoio à infância oferecemos, para desta forma desenhar um novo modelo de sociedade capaz de dar resposta a todas as mulheres que queiram desempenhar lugares de relevo na nossa sociedade. Temos de alargar o espaço de recrutamento e não continuar a viver a olhar só para metade do mundo. Tenho responsabilidades políticas. Pelo que aqui defendo serei responsável.

Gestor, vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais

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