Costa no seu novelo

O mais elementar respeito pelo país e pelos que nele habitam – aqueles que votam e elegem o poder político – obrigava Governo e oposição a terem o mais básico bom-senso

Como é possível o país continuar a arder sem que as populações sintam a mais leve réstia de segurança? As alterações climatéricas são uma realidade vinda para ficar, mas não chegaram de repente este Verão. Elas estão anunciadas, como anunciada estava há décadas a descoordenação e a inoperância de uma política de prevenção e de combate a incêndios descurada por sucessivos governos. Também em Espanha e França há incêndios de novo tipo, milhares de habitantes retirados das zonas ameaçadas pelas chamas. Bem pode Marta Soares vociferar contra tudo e todos, mas a verdade é que os bombeiros parecem viver ainda no século XX, à imagem de toda a estrutura de Estado relacionada com o assunto. E, enquanto o país arde, como escrevia Amílcar Correia no PÚBLICO, oposição e Governo mostram desnorte e incapacidade de responder às preocupações da população.

Ninguém espera que num mês fiquem operacionais estruturas delapidadas e retalhadas ao longo de décadas ou sejam criadas outras. Mas o mais elementar respeito pelo país e pelos que nele habitam — aqueles que votam e elegem o poder político — obrigava Governo e oposição a terem o mais básico bom senso. Pelo contrário, assiste-se a tácticas politiqueiras, sem nenhuma noção de interesse público ou dimensão de serviço público. Correm à frente ou atrás das chamas de modo a não saírem chamuscados ou a incendiarem politicamente os outros.

Do lado da oposição — e neste domínio o PCP e o BE só parecem existir para impor braços-de-ferro em votações parlamentares — o CDS apenas se mostra interessado em capitalizar politicamente através da ameaça de uma moção de censura. Ninguém percebe bem para quê, num Parlamento em que a esquerda está unida para uma legislatura. A ideia que Assunção Cristas dá, cada vez que volta à ameaça, é tão confrangedora como a imagem das populações atingidas pelo fogo a combaterem as chamas com baldes de plástico. Só que no caso das vítimas de incêndio há danos e falta de meios alternativos. No CDS parece haver tão-só chico-espertismo e ausência de qualquer ideia de país. Isto, quando a líder do CDS foi ministra da Agricultura quatro anos e não reza a história que algo tenha feito para contrariar o disparate geral das políticas florestais.

Depois da gaffe de Passos Coelho sobre os alegados suicídios — algo inexplicável em alguém minimamente preparado e que só revela desespero político —, o PSD entrou num jogo táctico de exploração de casos e casinhos — seguindo a onda da histeria das redes sociais —, numa tentativa, também ela de chicos-espertos, de provocar erosão na imagem do executivo.

Quanto ao Governo, revela uma face do primeiro-ministro ocultada nos dois primeiros anos de governação. O político hábil deixou-se desequilibrar pela turba dos acontecimentos. Não tanto pela pressão da oposição, mas pela da comunicação social, a qual reaprendeu que não tem de seguir apenas a agenda ditada pelos políticos, ainda que muitas vezes siga a histeria das redes sociais e adira a um sensacionalismo nada esclarecedor, como foi o caso do Expresso no sábado, cuja manchete não correspondia à notícia no interior, ou os vários órgãos de comunicação social que noticiaram uma lista de 72 mortos sem o confirmarem.

António Costa optou por uma táctica de disseminação de responsabilidades — como bem notou António Barreto no Diário de Notícias. Num primeiro momento, cedeu ao PSD a criação de uma equipa de peritos no âmbito do Parlamento e disparou perguntas e inquéritos, para, depois, impor a "lei da rolha" aos bombeiros. E, desde o início, desvalorizou o papel de esclarecimento público do Estado e a responsabilidade política do Governo.

Mas, perante a pressão da comunicação social, Costa despistou-se. Levado pelo seu excesso de auto-suficiência, começou a precipitar-se nas respostas, como na declaração de que estava tudo esclarecido sobre os mortos de Pedrógão. E colocou-se no "olho do furacão". Nada indica estar em causa a solidez da maioria que apoia o Governo, mas pode até acontecer que o Governo arda este Verão. Se isso acontecer, dever-se-á apenas à incapacidade do primeiro-ministro de evitar tropeçar no novelo que criou.

 

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