Costa já percebeu o filme

Por enquanto, as principais ameaças vêm de fora. E o primeiro-ministro já as sinalizou

Seis meses depois da posse do governo minoritário socialista apoiado pelo BE, PCP e Verdes, António Costa parece já ter percebido que, neste momento, a sua maior dificuldade não é tanto lidar com os constrangimentos internos. O fogo cruzado que tem existido em torno de questões como o corte no financiamento dos contratos de associação com os colégios privados, a aplicação das 35 horas, a greve dos estivadores ou até polémicas inesperadas como a saída abrupta do ministro da Cultura e de um secretário de Estado da Educação em início de mandato, não são comparáveis com a ameaçadora borrasca que parece estar a formar-se em Bruxelas. Aliás, foi para a Europa que o primeiro-ministro enviou ontem mensagens significativas, dizendo claramente não ser tolerável que as instituições decidam em função critérios ideológicos.

Catarina Martins foi a primeira a pôr o dedo na ferida durante o debate quinzenal, na Assembleia da República, quando alertou o chefe do Governo para “dois acontecimentos estranhos” passados nos últimos dias. Um deles tem a ver com a insistência dos ministros das Finanças alemão e holandês em “ameaçarem Portugal com sanções” por causa do défice; o segundo, para questionar Costa sobre qual a razão e com autorização de quem o Banco de Portugal diminuiu os dividendos que devia pagar ao Estado e os canalizou para “provisões com medo de perdas futuras”, contribuindo para aumentar o défice em 0,2% do PIB. O primeiro-ministro começou por ser diplomático na resposta explicando que estas alterações resultam de “uma regra europeia”, mas continuou bastante crítico quando deixou claro que a execução orçamental foi “fortemente prejudicada” pelo facto de o BdP não ter pago os dividendos em Abril, como devia, em vez de o fazer em Maio. “O défice não teria piorado 59 milhões, mas teria melhorado 130 milhões”, disse. Esta contabilidade serve-lhe para concluir que a “dúvida” não reside, portanto, na “estratégia de execução” orçamental do Governo, visto a própria Comissão prever um défice de 2,7%, o que, a acontecer, “seria o melhor dos últimos 42 anos, o melhor da Europa do Sul e seria o que o anterior Governo previu para 2015 e falhou”. Colocadas as coisas no terreno político, o primeiro-ministro desafia então os críticos internos e externos, sobretudo estes, com uma expressão não isenta de uma boa dose de cinismo: “Não quero acreditar que haja uma gestão política desse critério das sanções em função da actual maioria. Isso seria o cúmulo: sancionar uma maioria política de que não se gosta pelo resultado alcançado por uma maioria política que era tão amada e considerada aluno exemplar”. Ou seja, de uma assentada, Costa apontou a quem tenciona atirar caso se concretizem as tão temidas sanções de que tanto se fala cá dentro e lá fora: o anterior Governo e os responsáveis europeus. Até porque, disse, “uma coisa é o respeito pelos tratados, outra é uma intromissão política além dos tratados e em nome de pura orientação ideológica”.   

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