Costa é o bom aluno. Passos faria diferente?

Costa travou a tempo. E aposta que chegará a 2019 seguro. Para Passos e Cristas, chumbar este Programa de Estabilidade será como meter a marcha atrás, sem ter espelho retrovisor. Não é aí que marcam a diferença.

Leia o Programa de Estabilidade entregue pelo Governo, mas ignore as assinaturas. Ouça os ministros Mário Centeno e Pedro Marques, mas feche os olhos – e pense em Maria Luís Albuquerque, por exemplo. Depois do exercício, procure a resposta à pergunta: vê a diferença?

Se nos concentrarmos nos grandes números, se ouvirmos com atenção o discurso político, a resposta terá de ser "nenhuma". Claro: não vale comparar com os programas de estabilidade assinados durante a troika, o ponto de comparação terá de ser com o último Programa de Estabilidade de Passos Coelho, aquele em que as visitas trimestrais desapareceram, em que o financiamernto da dívida se regularizou e em que a economia começou a crescer (a nossa e a europeia). Foi aí que Passos encolheu a correcção do défice estrutural, que inaugurou a era das devoluções graduais, que subiu o salário mínimo. Sim, era ano de eleições, mas também (de certo modo) o da libertação.

Mário Centeno traz-nos agora um programa de estabilidade refeito do choque inicial. Conservador nas previsões, ambicioso nos objectivos. Conta com mais economia, empurrada pela Europa, mas não com o consumo privado, que ficou no baú do programa eleitoral. Aponta para um défice perto do zero no fim da legislatura, mantém a estratégia de "normalização" gradual, com o regresso dos escalões feito aos poucos, com as progressões na carreira descongeladas no frigorífico. "Com conta, peso e medida", dizia Pedro Marques na entrevista PÚBLICO-Renascença desta quinta-feira. "Nem quando o rating subir [podemos abrandar a consolidação]", diz o ministro, um dos da ala esquerda, sem complexos de bom aluno. O problema é a dívida, diz o ministro deste Governo. E aqui perguntamos: não era o que dizia Passos também?

António Costa tinha um programa eleitoral que prometia um carro em sexta velocidade. Não bastava fazer um pouco diferente da direita, dizia o líder socialista, sob pena de ser igual a ela. Nem foi preciso o susto do arranque da legislatura, com a economia a estagnar, para Costa meter a quarta velocidade, a ritmo seguro. Bem avisou ele: na auto-estrada, quando nos aproximamos dos outros carros, podemos sempre travar. Costa travou a tempo, acertou com o ritmo. E aposta que, em quarta, chegará a 2019 seguro. "Pode ser faseado, mas cumprimos", disse no debate quinzenal.

Para PCP e BE, aceitar isto até 2019 será uma revolução. Como Marx propunha, mas ao contrário. Para Passos e Cristas chumbar este Programa de Estabilidade será como meter a marcha atrás, sem ter espelho retrovisor, porque o que verdadeiramente diferencia este Governo desta direita não são as contas públicas – é o seu desejo de liberalizar a economia, na crença de que é assim que o país muda de vida. Esse tem sido o erro da direita – falar mais das contas e menos das políticas. E é aí, nas políticas económicas mais fechadas da "geringonça", que se verá, em 2019, quem tinha razão.

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