Copos e mulheres

Dijsselbloem à cabeça do Eurogrupo rompeu decisivamente com a imparcialidade que devia aos vários países do euro.

As eleições holandesas da semana passada não detiveram só o avanço da extrema-direita nacional-populista, quadruplicaram o voto na Esquerda Verde e deram 20% aos partidos que defendem uma refundação democrática da União Europeia(UE). Essas eleições resultaram também numa histórica derrota do partido social-democrata a que pertence o ministro das Finanças dos Países Baixos, Jeroen Dijsselbloem. No seu conjunto, ótimas notícias para a Europa — mas a última é bem capaz de ser a melhor.

A partir de ontem ficámos garantidamente a saber que o partido de Dijsselbloem não está a ser considerado para o próximo governo holandês e que o ministro das Finanças, que é também presidente do Eurogrupo, perderá em breve os seus cargos tanto a nível nacional como europeu. Isso não significa apenas que vamos poder deixar de procurar o seu nome no google de cada vez que é preciso escrevê-lo (outra técnica é simplesmente deixar o gato passar por cima do teclado). Nem que, de cada vez que ele falar em rigor, nos vamos lembrar de ele ter alegado possuir um grau de mestre por um mestrado que nunca concluiu. Significa acima de tudo que o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, perdeu o seu maior aliado no Eurogrupo.

Isso é que é crucial. No futuro, quando se escrever a história da euro, três personagens na área da política monetária e financeira vão ser consideradas determinantes para o seu agravamento. Jean-Claude Trichet, que antes de Draghi foi presidente do Banco Central Europeu e deixou arrastar as coisas até ao risco de colapso da moeda única. Schäuble, que preferiu sempre jogar para a bancada dos tablóides alemães e dos seus preconceitos em vez de trabalhar pela concórdia europeia. E Dijsselbloem, que à cabeça do Eurogrupo rompeu decisivamente com a imparcialidade que devia aos vários países do euro.

Claro que, antes de sair de cena, Dijsselbloem não podia ter evitado incorrer num momento de classe. Numa entrevista de anteontem ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung decidiu explicar a sua visão da social-democracia no atual momento da crise europeia, e foi aí que pronunciou as frases que rapidamente se espalharam como um incêndio pela imprensa dos países do Sul da Europa:

“Durante a crise do euro, os países do Norte foram solidários com os países afetados pela crise. Como social-democrata, atribuo excecional importância à solidariedade. Mas também há obrigações [para quem pede solidariedade]. Não se pode gastar o dinheiro todo em copos e mulheres e depois vir pedir ajuda.”

É minha opinião que não devemos ficar encolerizados contra Dijsselbloem por, mais uma vez, ele ter demonstrado não saber que a cabeça serve para algo mais do que pôr gel no cabelo. Nem por ter insinuado que os países do Sul desperdiçaram dinheiro em coisas frívolas — como, poderíamos acrescentar, ajudar a salvar bancos holandeses e a permitir que as nossas empresas paguem impostos nos Países Baixos. Nem sequer tentar interpretar o fino recorte machista e chauvinista da sua frase. Não. Nós devemos ficar agradecidos a Dijsselbloem. É que antes de ele ter dito a sua magnífica frase sobre “copos e mulheres” ainda havia quem procurasse mudar as regras para que ele pudesse continuar como presidente do Eurogrupo depois de deixar de ser ministro do seu país. Essas esperanças de Schäuble e de outros devem ter sido definitivamente enterradas.

É bem provável que daqui a uns meses Dijsselbloem apareça outra vez algures como administrador de algum banco de investimentos. Até lá, deixem-nos sonhar com o que aconteceria se ele tentasse viver num dos países do Sul com um salário mediano de 800 euros, como em Portugal. E façamos graciosamente as despedidas desejando ao político holandês que use de forma produtiva o tempo livre. Por exemplo: pode aproveitar para tirar um mestrado a sério.

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