Constança: A “boa pessoa” e a ministra que “não faz nada”

É um dos alvos certos da oposição no debate de hoje. Mas também dos dirigentes sindicais e associativos das forças de segurança. Estes não pedem a sua cabeça, mas exigem-lhe o que não fez: agir.

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LUSA/ANTóNIO COTRIM

Constança Urbano de Sousa ainda é o centro da polémica dos incêndios no centro do país que começaram no dia 17 do mês passado e vitimaram 64 pessoas. O tema ainda lhe deve tirar horas de trabalho e de sono, mas a ministra da Administração Interna tem muitos outros problemas pendentes para resolver. Revindicações de polícias, guardas e bombeiros que envolvem milhares de euros e de complexa resolução que, para já, estão apenas “adormecidos”, mas que muito em breve vão voltar ao topo da actualidade.

Os vários representantes de sindicatos associações destas forças ouvidos pelo PÚBLICO separam a pessoa da ministra da Administração Interna (MAI). À pessoa traçam rasgados elogios. Já quando se fala da ministra pintam um quadro negro e chegam mesmo a dizer que a sua inacção “coloca em risco a segurança nacional”.

Dois presidentes de sindicatos da PSP, o dos agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da associação de militares da GNR falam de uma pessoa “simpática”, “pragmática” e “conhecedora dos problemas”. Acentuam “a sua capacidade para ouvir” e “dialogar” e dizem que, no início do seu mandato, até mostrou compreensão para algumas revindicações. Jaime Marta Soares, da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) vai ainda mais longe e refere “um ser humano maravilhoso”.

Separar a pessoa da ministra

Dizem, porém, ser preciso “separar a pessoa da ministra”. E quando falam da governante Constança Urbano de Sousa o discurso muda radicalmente. Acusam-na de “nada ter feito” em relação “aos problemas que afectam” a diversas forças de segurança e de “incapacidade” e “inacção” na resolução das muitas revindicações, destacando as alterações aos estatutos, a falta de pessoal, meios e equipamentos e o descongelamento das progressões salariais e hierárquicas.

A juntar a isto, há os chamados “casos”, que não são menos importantes. A descoordenação, falhas e avarias no combate a incêndios florestais, quando os problemas estão todos identificados há muito tempo e depositados por escrito no gabinete da ministra. Os drones que continuam a ameaçar aeronaves sem que nada seja feito até ao momento. O caos no aeroporto que, asseguram, em boa parte se deve à falta de pessoal do SEF e que leva a que a entrada no país possa levar até duas horas.

Como refere o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização (Scif) do SEF, Acácio Pereira, “desde 2011, o número de passageiros no Aeroporto de Lisboa cresceu 51%  e o número de inspectores só cresceu 6%”.  “Falta dinheiro, mas falta acima de tudo vontade política”, diz o sindicalista.

“Falta de arcaboiço”

Já César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), afirma que Constança Urbano de Sousa “não tem arcaboiço para o cargo”. “É uma técnica. Quando chegou ao ministério perguntei-lhe se tinha arcaboiço para o cargo. Disse-me que sim. Hoje, é óbvio que não tem. No Conselho de Ministros perde sempre os braços de ferro para a Defesa. Não tem força política”, acrescenta.

O líder da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), Paulo Rodrigues, lembra estar orçamentado para 2017 cerca de 90 milhões de euros para aquisição de material e equipamento para a PSP “e no final do semestre ainda não tinha sido aplicado um euro”. Recorda também que “há bastante tempo entregou” à ministra “um relatório sobre as necessidades da polícia para o combate ao terrorismo” e que, “até agora”, não teve resposta.

“Ficamos estupefactos com as coisas que acontecem. Ou melhor, que não acontecem. Não sei se é falta de peso político, ou se é mesmo falta de vontade política para resolver os problemas”, acentua Paulo Rodrigues, revelando que o sindicato não se fará representar, na próxima quinta-feira, nas comemorações dos 150 anos da PSP. “Não há nada para comemorar, só para lamentar.”

Desenterrar o machado da paz

Jaime Marta Soares recusa comentar a acção política da ministra (“só o faço olhos nos olhos”), mas não deixa de afirmar que “foi feito um conjunto amplo de propostas” e “as respostas ficaram muito aquém do apresentado”. Marta Soares foi, porém, mais duro quando, no final de Maio, no Dia do Bombeiro, disse à MAI olhos nos olhos: "Somos soldados da paz mas, se formos obrigados, desenterramos o machado da paz para fazer guerra a quem colocar em causa a nossa paz.”

Acácio Pereira (Scif) já o afirmou no passado e diz manter hoje: “A falta de capacidade da MAI para resolver os problemas está a colocar a segurança nacional em risco.” “Os homens fazem o que podem e o que não podem. Estamos no limite. Só espero que um dia não se venha a chorar sobre o leite derramado”, alerta.

A mesma opinião tem César Nogueira (APG/GNR). “Se nada for feito a segurança nacional está em risco. Um homem, por mais que se esforce, não consegue fazer o trabalho de dez.”

Na PSP, assegura por sua vez Paulo Rodrigues, “a desmotivação é muita e vai de agentes aos oficiais”. “A falta de decisões faz com não existam garantias de resposta a algumas situações.”

A grande proximidade pessoal e profissional e a confiança que o primeiro-ministro António Costa já manifestou diversas vezes em Constança Urbano de Sousa “poderia ser uma ajuda para que se resolvem os problemas, só que acabou por se verificar o contrário”, firma Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional de Polícia (Sinapol). “A ministra não deu nada à polícia. Nada.”

Paulo Rodrigues diz mesmo estranhar “o comportamento de uma ministra que prometia muito” e que “conhece os problemas e as carências” das forças de segurança. Lembra que foi professora no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna e ainda tem um oficial de ligação da PSP no gabinete do primeiro-ministro e um outro no gabinete da ministra. “Não se percebe esta atitude.”

Apesar das duras críticas, nenhum dos dirigentes associativos e sindicais ouvidos pelo PÚBLICO defende a demissão da ministra. Dizem que “seria voltar atrás” e “perder meses com um novo ministro a estudar os dossiês”. Pedem em coro uma só coisa: “acção.” E deixam a promessa de iniciarem novas jornadas de luta em breve.

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