Combater o défice demográfico com as migrações

Na última década Portugal acumulou uma série de défices estruturais. Desde 2011 que o país foi chamado a equilibrar, de uma vez, toda esta herança pesada de défices. Um défice externo, que conseguimos resolver em dois anos. Um défice orçamental, que temos vindo a resolver com esforço. E um défice de crescimento e de economia que, como demonstram os números recentes, está agora paulatinamente a ser dissipado.

Mas a herança que recebemos não criou apenas um desequilíbrio das contas públicas e da economia. Criou um défice ainda mais grave e mais estrutural: o défice demográfico. Há uma mão-cheia de exemplos, nos políticos do passado, de como se pode mascarar as contas públicas no curto prazo, deixando para o longo prazo a tarefa de destapar a verdade. Não é assim com as contas da demografia. A população que temos é o resultado de variações que estão aí à nossa frente, acessíveis a qualquer observador imparcial. Com os números da demografia ninguém consegue mentir.

Portugal enfrenta um problema de défice demográfico que é hoje, tal como a situação financeira, uma emergência política nacional. Este défice demográfico tem sido agravado pelos números do nosso saldo migratório, isto é, a medida da diferença entre entradas e saídas da população residente no país. Temos hoje, nesse ponto, números de alarme.

Desde 2007 que o nosso saldo migratório começou a descer em ritmo acelerado. O ano de 2010 acusou já um saldo quase negativo (entre 2009 e 2010 passou de 15.508 para 3815.) Em 2011, metade do ano sob governação socialista – facto que deve ser cirurgicamente lembrado –, passámos para um saldo migratório claramente negativo: os 3815 de 2010 converteram-se em -24 331 residentes em 2011. Foi esta a maior descida do saldo migratório dos últimos 40 anos. Em 2012 a nossa perda migratória agudizou-se: -37.352 pessoas. E as primeiras estimativas existentes do ano passado confirmam o prolongamento desta estrondosa queda.

O país tem hoje na recessão demográfica e na recessão migratória a representação de um dos seus maiores desequilíbrios, consequência da crise de estagnação económica e social que nos conduziu ao pedido de ajuda externa. E, como se viu, a sangria demográfica que estamos a sentir não tem sido compensada pelo saldo migratório negativo. A realidade crua e nua da estagnação afastou a imigração do país, ao mesmo tempo que levou muitos portugueses a emigrar para o exterior.

É urgente estancar este fenómeno. O país precisa de equilibrar as entradas e saídas da sua população residente, disso não temos qualquer dúvida. Precisa de combater o défice demográfico atacando também o défice migratório, precisamente como tem feito com o défice orçamental. Precisa, no fundo, de uma agenda demográfica.

Alguém questiona o impacto da recessão demográfica na sustentabilidade das nossas finanças, da nossa segurança social, da renovação da nossa população? As universidades portuguesas já o perceberam. Com esta demografia as vagas existentes nas universidades ficarão por preencher. Isto significa o fim do numerus clausus, não por decreto mas por morte natural. Pelo contrário, 84,5% da população estrangeira residente está em idade activa, entre 15-64 anos. A percentagem de jovens é de 10,41%. Quase metade da população estrangeira tem entre 20 e 39 anos, uma estrutura etária bem distinta da população nacional.

Uma agenda migratória para a demografia passa essencialmente por duas vias: desenvolver e executar uma estratégia activa e transversal para a captação de imigração, em especial de uma imigração criadora de emprego e fonte de crescimento económico que ajude a transformar Portugal numa sociedade mais cosmopolita, e apoiar a retenção e o regresso dos portugueses que pensam sair ou têm vindo a sair de Portugal. Foram estes pontos centrais que nos conduziram na instituição recente do Alto Comissariado para as Migrações, a partir da reforma do Alto Comissariado para Imigração e Diálogo Intercultural. Digo-vos: um país que deixe de reter os seus e deixe de atrair os outros está condenado. O combate ao outro défice – o défice demográfico – precisa das migrações.

Secretário de Estado adjunto do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional

 

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