Cidade imprevista

Não me pareceria curial que em próximas eleições autárquicas o PS pudesse renunciar a concorrer autonomamente à Câmara do Porto

Inicio este texto com uma declaração de interesses de cariz partidário. Ingressei no PS logo nos primeiros dias de Maio de 1974. A inevitabilidade que só o tempo confere, remeteu-me à condição de militante número um da minha secção de residência. Fui também e por idênticas razões de longevidade, dos primeiros autarcas da cidade do Porto, deputado à AR, depois, por mais de 32 anos, interpolados por sete anos e meio de funções governativas, na qualidade de ministro e de secretário de estado mas também no desempenho de missões internacionais Ou seja, uma longa carreira pública e também partidária que abrangeu cargos de eleição local, regional e nacional na estrutura do partido socialista. Estive envolvido na maioria dos debates, das disputas e confrontos internos que animaram a dinâmica da vida do partido nos últimos quarenta anos. Fui dos primeiros no apoio a Mário Soares, do qual fui por duas vezes diretor de campanha presidencial, designadamente durante o conflito quase fratricida do início dos anos oitenta, mas também estive no apoio e intervenção ativa nas lides internas em que pontificaram Jaime Gama e José Sócrates e nas demais que sempre animaram o debate político no seio do PS. Todavia, nem por isso, em razão das circunstâncias em que me coloquei na oposição e em afrontamentos domésticos, jamais me senti penalizado. O que demonstra bem à saciedade a abertura e sentido democrático que sempre perpassou pelo seio do PS.

Dito isto, sinto-me com toda a legitimidade para poder discorrer livremente sobre a vivência partidária atual e a linha de orientação política do partido ao longo dos anos precedentes, nomeadamente quanto à evolução da escolha complexa assumida no limiar dos acontecimentos eleitorais mais recentes. Nessa circunstância, perante a emergência duma coligação à esquerda, na altura não me senti demasiado exaltado pela opção, bem pelo contrário, sendo certo que terei de admitir quanto a sagacidade do PM ultrapassou com expressiva subtileza os constrangimentos decorrentes da situação, arquitetando uma bem elaborada estratégia governativa que até ao momento tem funcionado plenamente.

Neste momento, remeto-me apenas à apreciação do quadro político local. É claro que falando dum partido da dimensão histórica do PS, não apenas no plano nacional e internacional, seria porventura insuficiente limitar-me a uma análise meramente circunscrita à realidade municipal do Porto, mas é aí onde me quero centrar. Por isso, não esmorecerei em elencar a importância do PS ao nível da cidade, da sua vida autárquica, social e política. Os portuenses não podem esquecer as figuras do partido que marcaram o burgo, enraizaram a sua história e definiram a sua modernização e futuro. Personalidades como Fernando Gomes, Nuno Cardoso, Rosado Correia ou Aureliano Veloso, seus presidentes eméritos. Por tal razão, não me pareceria curial que em próximas eleições autárquicas o PS pudesse renunciar a concorrer autonomamente e se submetesse à chocante inclusão numa lista independente, como curiosamente foi recentemente sugerido.

Sem sombra de dúvida, Rui Moreira tem sido um presidente bastante aceitável e leal para com os autarcas socialistas, que sempre corresponderam na mesma medida. O clima de concórdia no seio do executivo camarário terá evoluído a um ponto tal que o próprio principal responsável concelhio e distrital socialista já veio publicamente defender uma possível assimilação dos membros duma candidatura eleitoral do PS na listagem eleitoral encabeçada pelo independente responsável pelos destinos da cidade portuense que aliás já admitiu a sua recandidatura. Sublinho na circunstância o meu apreço e simpatia por decisões e atitudes por ele assumidas no decurso do presente mandato, decorrentes sobretudo da sua consabida afabilidade e da atitude cosmopolita e aberta que assume regularmente perante a comunidade.

No entanto, mau grado o bom enquadramento dessa relação entre os eleitos da equipa que tem gerido a câmara do Porto, pergunto-me se poderia ser admissível que um grande partido como o Partido Socialista viesse a abdicar da sua identidade própria, emergindo no seio duma coligação difusa em que a sua imagem e afirmação política se reduzissem a mero amparo de circunstância? Restarão outras alternativas. Desde esse modernismo bacoco das primárias abertas a simpatizantes, ao tradicional confronto eleitoral democrático, travado nos termos de sempre, em redor de alternativas que se desenhem fundadas na base de projectos, ideias e da afirmação de valores. Sempre foi assim, sempre assim será!

Truquismos ardilosos e artificialismos enganadores é que não!

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