CGTP: Governo está a andar com a primeira no carro, tem de meter a segunda

Melhor distribuição da riqueza, salários, e serviços públicos foram algumas das preocupações expressas pela CGTP a Marcelo Rebelo de Sousa. António Saraiva, da CIP, mostrou-se mais preocupado: "Os sinais externos não são de tranquilidade”.

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Arménio Carlos diz que, se o carro não aguenta a segunda, tem que ir à oficina reparar a caixa de velocidades Daniel Rocha

Depois de começar a semana a ouvir os partidos, sobre a situação política do país, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, está na tarde desta terça-feira a receber os parceiros sociais, no Palácio de Belém. O primeiro a sair do encontro foi o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, que transmitiu uma exigência ao Governo: a de que é preciso que meta agora “a segunda velocidade no carro”, isto é, que continue com as políticas que reponham salários, que melhorem serviços públicos, entre outras medidas.

“É evidente que entendemos que estamos numa fase em que, se até agora, andamos com a primeira velocidade, agora é preciso meter a segunda velocidade no carro. É isso que, neste caso, concreto nós exigimos ao Governo, que meta a segunda”, disse o secretário-geral da CGTP, numa metáfora que pretende transmitir a ideia de que não se pode recuar nas políticas anti-austeridade.

E se tal não for possível? Nesse caso, continuou o secretário-geral, recorrendo à mesma metáfora, “tem de se ir à oficina para arranjar a caixa de velocidades”. Para Arménio Carlos, não há outro caminho para a recuperação e desenvolvimento do país: “Tem de meter a segunda, para depois se meter a terceira e assim sucessivamente para se apanhar a velocidade de cruzeiro. E o Governo já percebeu que tem de ser este o caminho. Se não for este, então está a pôr em causa o seu próprio futuro”, vaticinou.

As preocupações expressas por Arménio Carlos passam pela “necessidade de, no próximo Orçamento do Estado, se considerar a resposta aos problemas dos trabalhadores da administração pública, mas também à melhoria dos serviços públicos”. Tal significa, especificou, o desbloqueamento dos salários, das carreiras e a aposta nas funções sociais do Estado e dos serviços públicos. “Entendemos que este é momento certo para dar o salto qualitativo para romper com o modelo de baixos salários e do trabalho precário”, disse, defendendo ainda que a “questão da contratação colectiva vai ser um momento determinante” e que “o Governo aqui não pode deixar de ter uma posição muito objectiva para acabar de vez com a norma da caducidade que é responsável pelos bloqueios a que estamos a ser sujeitos”.

A CGTP insistiu, assim, nas suas outras bandeiras que passam por uma melhor distribuição da riqueza, pela questão dos salários, do aumento do salário mínimo nacional, pela melhoria dos serviços públicos: “São determinantes para que o país possa dar o tal salto qualitativo”, afirmou Arménio Carlos, congratulando-se com o facto de o Governo ter vindo a ter “a sensibilidade necessária, assim como os restantes partidos que formam a maioria na Assembleia da República para ouvir e para procurar corresponder”.

Todos a eleger presidente do CES

A CGTP também defendeu o fim da “concepção bipartida” na indicação de personalidades para órgãos institucionais e advogou que todos os partidos políticos devem ser envolvidos na escolha do novo presidente do Conselho Económico e Social (CES).

"É preciso acabar com esta concepção bipartida da indicação de pessoas para órgãos institucionais. A Assembleia da República (AR) é constituída por deputados que representam várias sensibilidades políticas e é normal que todas elas sejam envolvidas em plano de igualdade na discussão, na apresentação das propostas e na votação", disse Arménio Carlos, apontando o dedo ao PSD que acusou de “má-fé” no processo de eleição do novo presidente do CES.

"Aquilo que se passou em relação ao CES é um exemplo claro que houve uma parte que agiu com má-fé, como já tinha tido má-fé quando esteve no Governo, em relação aos problemas dos trabalhadores - estamos a falar concretamente do PSD -, e se agiu com má-fé as consequências e os resultados estão aí", disse ainda.

A CGTP defende a necessidade de “alterar este estado de coisas”, considerando que “compete agora ao Governo e à AR avançarem com o processo da indicação de uma pessoa que seja dotada de características ajustadas para um cargo com a responsabilidade do CES”.

Para o secretário-geral, “mais importante que o cartão político que a pessoa que entretanto venha a ser indicada tenha, é essencial” que “reúna as condições do ponto de vista politico, técnico, mas também de visão de desenvolvimento do país, susceptível de fazer aproximações e dar sequência àquilo que deve ser um verdadeiro diálogo social”, contrariando o que “de alguns anos a esta parte se verificou, que foi um simulacro de negociação”.

Também o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, lamentou que “os partidos não tenham sabido resolver a situação” da eleição do presidente do CES. A 20 de Julho, contra todas as expectativas, o socialista Correia de Campos falhou a eleição para o cargo de presidente do CES, com apenas 105 votos favoráveis dos 221 deputados presentes, quando precisava de dois terços.

Afinal, vem aí o diabo ou não?

António Saraiva mostrou-se  preocupado com a situação do país e foram esses “receios” sobre o futuro que transmitiu a Marcelo.

“O país carece de promover o investimento, necessitamos de confiança, os empresários necessitam de um clima de confiança, para que o investimento possa ocorrer, sendo certo que, sem essa confiança, sem a promoção do investimento, o crescimento não ocorre e os nossos problemas não se resolvem”, disse à saída aos jornalistas.

A CIP chamou a atenção do Presidente para “a necessária capitalização das empresas, para a criação de um veículo que alivie as empresas do estrangulamento do crédito malparado”, sendo que, continuou, “muitas” das empresas “são economicamente viáveis e, através desse veículo, poderiam reestruturar a sua dívida” ou transformá-la “em capital”.

António Saraiva deixou um aviso: a CIP não está disponível para discutir medidas que revertam o que está em vigor, nomeadamente, no quadro laboral. Defendeu que o país exige “estabilidade” e enumerou: legislativa, fiscal e laboral. E ainda se queixou de que a CIP se sente “permanentemente” atacada por “alguns partidos à esquerda do PS, nomeadamente pelo Bloco de Esquerda, que tem sobre a iniciativa privada e os empresários uma leitura de diabolização”. O presidente da CIP não entende porquê, uma vez que, justificou, o país não vive “sem empresas, sem aqueles que criam riqueza, e emprego”. 

E por falar em diabo, António Saraiva foi questionado pelos jornalistas sobre se concorda com o ex-primeiro-ministro, Passos Coelho, que disse que, em Setembro, vinha aí o diabo. O presidente da CIP não quis usar o mesmo termo, mas não deixou de expressar receio com a discussão do próximo orçamento, “atendendo a que os sinais externos não são de tranquilidade”.

“Vivemos hoje num mundo instável, estamos numa União Europeia que não encontra resposta para os problemas com que se defronta: as migrações, o terrorismo, o próprio crescimento económico”, acrescentou, apreensivo com o facto de não se atingir “1,8 de crescimento como estava inscrito no orçamento 2016” e que, por isso, “o país possa entrar num clima de alguma preocupação”. De qualquer forma, António Saraiva não deseja que estas “piores expectativas” se verifiquem.

Onde se cortar na manta de retalhos?

Vasco Mello, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, alinhou em algumas das preocupações expressas pela CIP, nomeadamente em relação ao crescimento económico. Mostrou-se apreensivo com o “estado político e económico” do país, com a “quebra do investimento público” e com a “eventualidade” de Portugal vir a sofrer sanções de Bruxelas por défice excessivo em 2015, uma vez que tal pode pôr em causa programas comunitários. “Achamos que o crescimento que vamos ter em 2016 não será o necessário e desejável para o país fazer face aos diversos compromisso que o Estado Português tem.”

Questionado sobre o próximo orçamento, disse estar expectante: “Temos algumas expectativas sobre o assunto, se a carga fiscal irá aumentar, se o investimento público irá diminuir e, portanto, onde é que o Governo irá cortar nesta manta de retalhos preocupa-nos”, declarou este responsável para quem a estabilidade política existirá “enquanto houver esta maioria”, sendo que, ressalvou, “a manutenção desta maioria será imprevisível” – depende dos partidos que a compõem e dos “consensos” que se atinjam. “O que nos preocupa é que, se alguns desses consensos sejam feitos, serão feitos prejudicando o consenso social que se atingiu nos últimos anos”, fez ainda questão de afirmar.

Vamos todos gozar férias!

A tarde acabou, porém, com uma nota de optimismo de Francisco Calheiros, da Confederação do Turismo Português (CTP), que transmitiu ao Presidente dados sobre o sector que o entusiasmaram. “Até ao final do ano iremos ter mais um bom ano de turismo”, disse.

Questionado sobre se teme uma crise política por causa do próximo orçamento, respondeu que não gosta de “antecipar crises”. Preferiu salientar um “défice a baixar”, uma “despesa praticamente constante”, uma receita a subir: “Parece que a consolidação está a ser feita e, portanto, a nossa tónica é: vamos de férias, vamos todos gozar férias que temos direito. Nós, no turismo, estamos neste momento em plena época alta. A época alta está a correr extraordinariamente bem e regressaremos em Outubro para vermos, então, quais são as Grandes Opções do Plano e qual o orçamento que irá acontecer em 2017.”

Depois da UGT já ter sido recebida pelo Presidente, na quarta-feira é a vez da Confederação dos Agricultores de Portugal.

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