CDU e PSD em Beja discordam quanto ao acordo que têm nas freguesias

Por “razões históricas” a coligação não caiu bem nalguns sectores do PSD. Do lado do PCP não há vozes críticas, apenas desagrado por ter de “ engolir sapos vivos”.

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Pedro Cunha
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Na história do poder local, as coligações, acordos ou entendimentos entre partidos que a ideologia coloca em campos opostos não são novidade. Nem mesmo no Alentejo. Mas a experiência de Beja superou as expectativas mais optimistas. Na sequência das últimas eleições autárquicas, a CDU recuperou a câmara, por maioria absoluta, e as juntas de freguesia da cidade, por maioria relativa. Esperar-se-ia um mandato conturbado, como sempre foi o relacionamento entre comunistas e socialistas nas duas uniões de freguesia da cidade (S. João Baptista e Santiago Maior; e Salvador e Santa Maria).

Pragmático quando é necessário, o PCP acabou por propor ao PSD de Beja um “entendimento”, segundo o comunista Miguel Ramalho, presidente da União de Freguesias de S. João Baptista e Santiago Maior, ou uma “coligação”, como definiu Ana Rosa Soeiro (PSD) tesoureira na mesma autarquia.

Autarquicas 2013 — União das Freguesias de Beja (Salvador e Santa Maria da Feira)

“Não foi necessário celebrar acordo nem negociações partidárias”, garantiu ao PÚBLICO o autarca comunista, acrescentando que o entendimento de 2013 precisou apenas de uma “conversa” com Ana Rosa Soeiro. A social-democrata declara que lhe foi proposta uma “coligação a nível do executivo” de freguesia e que a aceitou.

O entendimento estendeu-se à União de Freguesias da Salvador e Santa Maria, onde a eleita do PSD, Fernanda Caimoto, desempenha a função de secretária no executivo autárquico presidido por Maria de Jesus Ramos (CDU).

A aliança improvável entre os comunistas e os sociais-democratas não caiu bem em alguns sectores do PSD. Freitas Jorge, que foi candidato à presidência da concelhia de Beja do PSD nas últimas eleições para este órgão, em Junho de 2014, deixou claro que não se revia na “coligação estabelecida” entre eleitos do PSD e da CDU nas freguesias da cidade, embora admitisse “acordos pontuais - mas nunca uma coligação”. Não foi uma posição isolada, como se pode constatar nas redes sociais ao longo destes quatro anos. João Paulo Ramôa, que foi governador civil de Beja, deixou expresso numa crónica lida aos microfones de uma rádio local o seu desagrado pelo “vodka/laranja” que saiu do acordo entre PCP e PSD.

Autarquicas 2013 — União das Freguesias de Beja (Santiago Maior e São João Baptista)

Freitas Jorge, que foi derrotado no PSD por José Pinela (actual candidato dos sociais-democratas à Câmara de Beja), sublinhou que existem “razões históricas que inviabilizam coligações com os comunistas”. E a verdade é que o passado continua a “dividir” alguns sectores do PSD. Já do lado dos comunistas nunca foi tornada pública uma posição de desagrado, apesar da difícil “digestão de sapos vivos”, como ficou patente nos desabafos que circularam nas bases do PCP local.

Do ponto de vista do comunista João Rocha, presidente da Câmara de Beja, "não há dificuldades em selar acordos" com o PSD. "Como autarca não devo ter pruridos dessa natureza", acrescenta, advogando uma relação de "cordialidade e frontalidade" com os adversários políticos. É isso que João Rocha recolhe da experiência de muitos anos (desde 1979) de liderança autárquica, primeiro na Câmara de Serpa, até 2013, e agora em Beja.  

Mário Simões, ex-deputado do PSD eleito pelo círculo de Beja e presidente da distrital do partido, foi quem “negociou ou acordou” a coligação nas freguesias da cidade e justificou ao PÚBLICO a opção tomada, frisando que o PCP “é um partido do quadro democrático com quem é possível assumir compromissos, porque os cumpre escrupulosamente”. Infelizmente, prossegue o social-democrata, “não é possível ir mais longe", porque na "nomenclatura", nos órgãos centrais do PSD, “são tão ou mais dogmáticos do que o PCP”.

Miguel Ramalho, presidente da União de Freguesias de S. João Baptista e Santiago Maior (CDU), fundamentou o “entendimento” com o PSD, nos “superiores interesses da população”, referindo que ele foi baseado na “correlação de forças saída das últimas eleições”.

Comentando o perfil da sua colega social-democrata no executivo a que preside, Ramalho reconhece que Ana Rosa é autarca há muitos anos (já foi presidente da Junta de S. João Baptista em mandatos anteriores). “Acumulou conhecimento e experiência que consideramos uma mais-valia importante”, o que “mereceu toda a credibilidade da nossa parte", além do “relacionamento pessoal, que tem sido irrepreensível”. Miguel Ramalho salienta ainda a experiência positiva de quatro anos com base nos “acordos realizados com os eleitos do PSD, e que foram integralmente cumpridos”.

Ana Rosa Soeiro enfatiza: “Temos tido um trabalho do mais profícuo que há. Muito proveitoso e sempre com base numa excelente colaboração”. E reforça: “O que propus nunca foi recusado (...) Foi um bom mandato com um autarca da CDU com quem nunca tive problemas”, sintetisa a autarca do PSD sobre a coligação ou acordo.

Apesar do entendimento que se observa entre a CDU e o PSD na gestão das freguesias da cidade de Beja, não se vislumbra qualquer intenção de dar continuidade à “coligação” no próximo mandato autárquico. Acresce que tanto Ana Rosa Soeiro (PSD) como Maria de Jesus Ramos actual presidente da União de Freguesias de Salvador e Santa Maria (CDU), não se recandidatam a cargos autárquicos nas próximas eleições.

Embora o ambiente pré-eleitoral não tenha suscitado até ao momento confrontos políticos dignos de nota, as críticas do candidato do PSD à Câmara de Beja, José Pinela, estão longe do registo de colaboração observado nas freguesias da cidade. Incisivo, o candidato social-democrata acusa o actual executivo comunista, liderado por João Rocha, de ter transformada Beja “numa cidade de festas, feiras e romarias, onde não há sensibilidade nem solidariedade social”. A capital do Baixo Alentejo, conclui o social-democrata, “perdeu centralidade e deixou de ser atractiva” com a gestão comunista.

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